Escrito por: Ednubia Ghisi / MST
Mais de 23 anos após o assassinato de Sebastião Camargo, o ruralista Marcos Prochet irá novamente a júri popular. Estado brasileiro foi responsabilizado pela Comissão Interamericana pelo crime
Está marcado para esta quarta-feira (23) o júri popular de Marcos Prochet, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) acusado de executar o trabalhador Sem Terra Sebastião Camargo, em 1998.
O julgamento nesta quarta-feira (23) está previsto para ocorrer a partir das 13h30, no Tribunal do Júri de Curitiba, com participação presencial restrita aos jurados e às partes envolvidas, devido à pandemia da Covid-19. Haverá transmissão ao vivo pelo youtube do órgão. A atividade é acompanhada por organizações e redes de defesa dos direitos, entre eles o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
“A família está em busca de justiça e que ele [Prochet] pague pelo que fez. Faz 20 e poucos anos que a minha família está aguardando isso. Não traz o nosso pai de volta, mas pelo menos que a justiça seja feita”, é o apelo de Cesar Camargo, um dos cinco filhos do camponês assassinado.
Sobre o assassinato
Sebastião Camargo foi morto aos 65 anos, com um tiro na cabeça. O crime ocorreu no dia 7 de fevereiro de 1998, durante um despejo ilegal em um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) na Fazenda Boa Sorte, em Marilena, cidade no Noroeste do Paraná. Na área residiam 300 famílias. Sob ameaças, as pessoas foram obrigadas a deitar no chão. Com problemas na coluna, o trabalhador Sebastião Camargo não conseguiu manter a cabeça abaixada. Para evitar que o trabalhador reconhecesse os autores da ação, o camponês foi assassinado, deixando cinco filhos e uma esposa.
Seis pessoas viram a participação de Marcos Prochet na desocupação - quatro delas viram o momento em que Sebastião Camargo foi morto, e reconhecem o ruralista como autor do disparo. Além do assassinato de Camargo, 17 pessoas, inclusive crianças, ficaram feridas na ocasião.
A área já estava em processo de destinação para reforma agrária. Vistoriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a fazenda foi considerada improdutiva, por isso estava em processo de desapropriação e indenização do proprietário. Teissin Tina, dono da Fazenda, recebeu cerca R$ 1 milhão e 300 mil reais pela propriedade, área onde hoje está localizado o assentamento Sebastião Camargo, em homenagem ao trabalhador assassinado.
Condenações tardias, e anuladas
Marcos Prochet já foi condenado em dois júris populares, considerado autor do disparo que vitimou Sebastião Camargo. A primeira condenação ocorreu em 2013 e a segunda em 2016, ambas com pena de 15 anos e 9 meses de reclusão em regime inicialmente fechado. No entanto, as duas condenações foram anuladas pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Com mais de 21 anos do assassinato, o processo é marcado pela lentidão do sistema de justiça, recorrentes adiamentos do julgamento e violação da decisão soberana do júri popular.
O ex-presidente da UDR – associação de proprietários rurais voltada à “defesa do direito de propriedade” - é a quarta pessoa a ir a júri popular pelo assassinato de Sebastião Camargo. Teissin Tina recebeu condenação de seis anos de prisão por homicídio simples, no entanto não foi preso porque a pena prescreveu. Já Osnir Sanches foi condenado a 13 anos de prisão por homicídio qualificado e constituição de empresa de segurança privada, utilizada para recrutar jagunços e executar despejos ilegais. Ele cumpre prisão domiciliar, por questões de saúde. Augusto Barbosa da Costa, integrante da milícia privada, também foi condenado, mas recorreu da decisão.
Denunciado apenas em 2013, o ruralista Tarcísio Barbosa de Souza, presidente da Comissão Fundiária da Federação de Agricultura do Estado do Paraná – FAEP, ligada à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), também foi apontado como envolvido no crime, mas a decisão judicial que determinava o julgamento de Tarcísio por júri popular foi anulada em 2019.
Histórico de violência no governo Lerner
No período em que o Paraná foi governado por Jaime Lerner, o estado registrou, além dos 16 assassinatos de Sem Terra, 516 prisões arbitrárias, 31 tentativas de homicídio, 49 ameaças de morte, 325 feridos em 134 ações de despejo e 7 casos de tortura, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Uma característica em comum nestes casos é a demora injustificada e falta de isenção nas investigações e processos judiciais. Exemplo disso, o Inquérito Policial que investigou o assassinato de Camargo demorou mais de dois anos para ser concluído e o primeiro júri no caso foi realizado 14 anos depois do crime.
Em apenas dois dos 16 casos houve condenação: em 2011, Jair Firmino Borracha foi condenado pelo assassinato de Eduardo Anghinoni; em 2012, 2013 e 2014, respectivamente, Teissin Tina, Osnir Sanches, Marcos Prochet e Augusto Barbosa foram condenados pela morte de Sebastião Camargo. Até o momento, porém, nenhum deles foi preso.
Responsabilização internacional do Estado brasileiro
Em 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) responsabilizou o Estado brasileiro pelo assassinato do trabalhador rural. A Comissão reconheceu que o crime envolveu violações do direito à vida, as garantias e proteção judiciais. A ação é resultante de uma denúncia realizada pela Terra de Direitos, Justiça Global, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP) ao organismo internacional, em ação contra a lentidão e não responsabilização dos envolvidos pelo sistema de justiça brasileiro.
Após estudo do caso, elaboração de relatórios e realização de audiências, a CIDH aponta em seu relatório, que “o Estado brasileiro não cumpriu sua obrigação de garantir o direito à vida de Sebastião Camargo Filho (…) ao não prevenir a morte da vítima (…) e ao deixar de investigar devidamente os fatos e sancionar os responsáveis”.
A responsabilização do Estado brasileiro pelo assassinato do trabalhador rural Sem Terra Antônio Tavares, assassinado em 2000, segue caminho semelhante. Em fevereiro deste ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), acolheu o caso e iniciou o processo de julgamento, passado quase 21 anos, da omissão e não responsabilização dos envolvidos na morte do trabalhador pela polícia militar e repressão massiva pelo Estado.
Violência e criminalização dos movimentos sociais
Com a paralisação da reforma agrária e flexibilização da política fundiária, o campo vive um aumento de conflitos nos últimos anos, aponta a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em relatório recente, o mapeamento aponta que sobressaem-se fazendeiros, empresários e grileiros como agentes causadores da violência. No governo de Jair Bolsonaro (sem partido) houve um crescimento de 22% de envolvimentos de fazendeiros nos casos, comparado à gestão anterior.
Organizações e movimentos sociais também têm denunciado a intensificação da perseguição e criminalização de integrantes de movimentos populares, ocupações e lideranças. Um exemplo é o Projeto de Lei 6.764/02, que, entre outras alterações, propõe uma nova Lei de Segurança Nacional (Lei 7170/1983). Sob o título de Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, contém - diferentemente do que o governo anuncia - graves riscos a liberdades democráticas e o Estado de direitos, apontam as organizações. O Projeto de Lei é denunciado como forte ameaça ao direito de manifestação, de participação política e de reivindicação. Já aprovado pela Câmara dos Deputados, a matéria pode ser apreciada e votada pelo Senado a qualquer momento.