Escrito por: MST
Cerca de 20 toneladas de alimentos são partilhadas com famílias ameaçadas de despejo na capital, entre as atividades que se iniciam na próxima segunda-feira (17)
A 26ª Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária ocorre em todo o Brasil neste mês de abril, e marca os 27 anos de impunidade do Massacre de Eldorado do Carajás. No Paraná, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) inicia as mobilizações, na próxima segunda-feira (17) e segue até quarta-feira (19), em Curitiba, Paraná, com participação de mais de 500 militantes de todo o estado.
A Jornada de Abril ocorre desde 1997, em memória e por justiça pelo Massacre de Eldorado do Carajás, no Pará, de 17 de abril de 1996. A ação violenta da Polícia Militar reprimiu uma marcha de trabalhadores Sem Terra, resultando no assassinato de 21 camponeses e na mutilação de outras 69 pessoas. Em memória ao episódio, a data marca oficialmente o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.
O lema da Jornada deste ano é “Reforma Agrária contra a fome e a escravidão: por terra, democracia e meio ambiente!”. Em todo o Brasil, as ações vão denunciar a concentração fundiária, os latifúndios improdutivos e as áreas do agronegócio que cometem crimes trabalhistas e ambientais, como o trabalho escravo, e descumprindo a função social da terra.
No Paraná, a principal pauta de reivindicação do MST é pelo assentamento das mais de 7 mil famílias que vivem em 83 acampamentos rurais do estado. Valdemar Batista, assentado na comunidade 8 de Abril, em Jardim Alegre, e dirigente nacional do MST pelo Paraná, reforça a necessidade da efetivação do acesso à terra para as famílias acampadas:
Estaremos denunciando esse modelo de agricultura que não resolve o problema da alimentação no nosso país, que produz alimento envenenado, que produz o câncer, que destrói o meio ambiente, e além de tudo produz o trabalho escravo. Estamos reivindicando os assentamentos para mostrar o outro lado, a outra proposta que é de alimentação limpa e saudável que não faça mal pra ninguém”, enfatiza.
A mobilização pela democratização do acesso à terra no campo ocorre em conjunto com a luta por moradia digna na cidade, por meio da articulação Despejo Zero. Segundo levantamento do Plano Estadual de Habitação, feito pelo próprio governo do estado e divulgado neste ano, cerca de 511 mil famílias paranaenses não têm lugar adequado para morar. O número de famílias em favelas passou de 90 mil para 114 mil, entre 2019 e 2022.
No dia 18, terça-feira, famílias de ocupações de Curitiba e Região Metropolitana e de acampamentos do MST farão uma marcha e uma audiência de negociação em conjunto. A caminhada terá início na Praça 19 de Dezembro, às 13h, até a Praça Nossa Senhora de Salette, no Centro Cívico. Às 14h está marcada uma audiência de negociação, no auditório do Palácio das Araucárias, com presença de autoridades do governo federal, estadual e municipais, para apresentação da pauta de reivindicações. Será a quinta mobilização conjunta da articulação Despejo Zero, iniciada em março de 2022.
Estão confirmadas as participações de representantes da Comissão de Conflitos Fundiários do CEJUSC/TJPR; da Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social do governo do estado (SUDIS); do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/PR); do Ministério Público estadual (MP/PR); entre outras autoridades nacionais, estadual e municipal.
Arroz, feijão, mandioca, uma grande variedade de legumes e frutas serão doados por famílias do MST a moradores de ocupações urbanas de Curitiba. A estimativa é partilhar 20 toneladas de alimentos, especialmente para famílias da comunidade Tiradentes II. Localizada ao lado de um lixão, na Cidade Industrial, a comunidade vive sob ameaça de despejo.
As ações de solidariedade ganharam força entre as famílias Sem Terra desde o início da pandemia e com a piora nas condições de vida e desmonte das políticas públicas na gestão Bolsonaro. Mais de 1.050 toneladas de alimentos foram doadas pelo MST do Paraná, e mais de 180 mil refeições distribuídas pelo Coletivo Marmitas da Terra, coordenado pelo Movimento, desde abril de 2020.
Na manhã do dia 19, quarta-feira, último dia da Jornada, a programação trará o Seminário “Monumento Antonio Tavares: diálogos sobre memória, patrimônio e direito à terra”. O encontro irá debater os aspectos históricos, arquitetônicos, culturais e simbólicos que envolvem o Monumento Antonio Tavares.
A obra foi projetada por Oscar Niemeyer e instalada às margens da BR 277, na altura do KM 108, em Campo Largo, nas proximidades onde ocorreu o massacre da Polícia Militar contra camponeses Sem Terra. O crime foi no dia 2 de maio de 2000, quando o trabalhador Sem Terra Antonio Tavares foi assassinado com um tiro, e mais de 200 pessoas ficaram feridas. O crime segue impune até o momento, e está sendo julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O monumento é objeto de ações de tombamento por se tratar de um símbolo da memória da luta pela Reforma Agrária no país. A decisão da Corte Interamericana, proferida no último dia 24 de junho, reconhece o risco iminente de dano ao monumento, por parte da empresa proprietária do terreno onde a obra está instalada.
O seminário é realizado em parceria entre a Terra de Direitos, o MST, o Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/PR, Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental; Observatório de Protocolos Comunitários e Consentimento da PUC-PR; Fórum das Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro no Paraná; com apoio da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná.
A atividade será na Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, rua Imaculada Conceição, 1155, bairro Prado Velho. Em breve divulgaremos o auditório. Haverá emissão de certificado e não é necessária a inscrição prévia.
A jornada de lutas também participa de mobilizações organizadas por outros setores da sociedade em pautas comuns ao povo trabalhador do campo e da cidade.
No dia 17, segunda-feira, às 9h, professores/as e estudantes de Escolas do Campo vão participar da Audiência Pública pela Revogação do Ensino Médio, no Plenarinho da Alep. A audiência é organizada pelos mandatos da deputada estadual Ana Julia (PT) e do deputado federal Tadeu Veneri (PT).
Neste mesmo dia, camponeses e camponesas se unem à audiência “A Copel é nossa! Não à privatização!”, às 17h, no Plenário da Alep. A ação é promovida pela Frente Parlamentar das Estatais e das Empresas Públicas, coordenada pelo deputado Arilson Chiorato.
Na quarta-feira (19), a mobilização será das 6h30 até por volta das 12h, em frente à Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen). Localizada em Araucária, ao lado da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), a unidade pertence à Petrobras e foi fechada pelo governo Bolsonaro em 2020. O ato é pela retomada da reindustrialização, da geração de empregos e da soberania nacional no ramo dos fertilizantes. Estarão na ação trabalhadores demitidos com o fechamento da fábrica, petroleiros da Repar, autoridades públicas, representantes de sindicatos e entidades, além de militantes do MST.
A luta pela Reforma Agrária no Paraná tem sido fundamental para democratizar o acesso à terra no campo. É a transformação de áreas improdutivas, sem função social, com dívidas ou passivos ambientais em comunidades camponesas, em locais de vida digna e produção de alimentos para milhares de famílias. Ao todo, são 329 assentamentos e 83 acampamentos, somando cerca de 28 mil famílias no total – 21 mil assentadas e 7 mil acampadas.
O sistema produtivo da Reforma Agrária está alicerçado em 23 cooperativas, com 7 mil famílias associadas diretamente, e outras 30 mil atendidas – entre assentadas, integrantes da agricultura familiar camponesa e de comunidades tradicionais. São 59 agroindústrias, a maior parte em assentamentos, mas também em acampamentos, entre laticínios, indústria para beneficiamento de milho, leite, hortifruti, mel, erva mate, polpa e suco de frutas e panificados.
Entre os principais destinos da produção das famílias Sem Terra está a alimentação escolar, por meio do Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE). Em 2022, 3,9 mil toneladas chegaram a centenas de escolas via o programa.
A comercialização direta à população conta com 5 cinco lojas integradas à Rede Armazém do Campo, localizadas nos municípios de Cascavel, Londrina, Maringá, Ortigueira e Curitiba, além de outros pontos de venda e grupos de cestas. A Central de Distribuição da Reforma Agrária e Economia Solidária Produtos da Terra, em Curitiba, garante a distribuição na capital e região.
Na educação, são nove Escolas Itinerantes que garantem da Educação Infantil ao Ensino Médio às crianças e adolescentes moradoras de acampamentos. Nos assentamentos são 25 Colégios Estaduais, para ensino fundamental e médio, além de cerca de 100 Escolas Municipais do Campo. A Escola Latino-americana de Agroecologia, no assentamento Contestado (Lapa), e a Escola Milton Santos de Agroecologia, em Maringá, são os principais espaços para encontros, cursos técnicos e políticos do estado.
Como parte do plano nacional do MST “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, as famílias Sem Terra do Paraná têm feito mutirões de plantio de árvores. A ação tem por objetivo recuperar áreas degradadas e implementar agroflorestas e quintais produtivos, assim como reagir ao desmonte das políticas de proteção ao meio ambiente dos últimos anos, que aprofundam a crise climática e hídrica. Desde 2020, as famílias do MST no Paraná plantaram pelo menos 386 mil mudas de árvores e arbustos, entre mais de 30 variedades, com participação de 92 acampamentos e assentamentos.