Escrito por: Ednubia Ghisi / MST

Produtora agroecológica do MST recebe Prêmio Orgulho da Terra

A camponesa Jovana Cestille, do assentamento Eli Vive, do Paraná, é a vencedora da categoria “Produção orgânica - agroecológica"

Juliana Barbosa / MST
Jovana e o esposo, Davi José da Costa, trabalham juntos na produção agroecológica.

A produção agroecológica do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra  (MST) está entre as vencedoras do Prêmio Orgulho da Terra 2022, entregue durante a noite desta quarta-feira (30), em Curitiba. O MST esteve representado pela camponesa Jovana Cestille, vencedora da categoria “Produção orgânica - agroecológica". 

A camponesa é assentada na comunidade Eli Vive, localizada no distrito de Lerroville, em Londrina, norte do estado, onde vive com o esposo Davi José da Costa e o filho Lorenzo Cestille Costa, no lote batizado de Sítio Novo Amanhecer. 

“Eu acredito que a agroecologia é este ‘novo amanhecer’, em vários sentidos, principalmente da preservação da biodiversidade, da garantia de uma alimentação saudável e de mostrar que é possível produzir alimentos sem veneno com qualidade e produtividade”, explica a agricultora. 

A família se dedica à produção de plantas medicinais, hortaliças e está iniciando a fruticultura, com um pomar de abacate. A comercialização da produção é feita em parte pelo cooperativa do assentamento e as plantas medicinais são cultivadas com mercado já garantido. 

Para além do reconhecimento individual e da família, a camponesa ressalta o trabalho coletivo que o MST vem desenvolvendo ao longo dos anos, de incentivo à agroecologia e novas relações entre os seres humanos e a natureza.

“Nós estamos colocando em prática os conceitos que o MST defende como modelo para o campo brasileiro, para produção de comida saudável, e não de commodities a base de agrotóxicos e de exploração. Por isso, para nós o maior prêmio será que a repercussão incentive outras famílias a trilharem o caminho da agroecologia", garante a camponesa. 

Durante a entrega do prêmio, Jovana usou uma camiseta em homenagem a Ana Primavesi, agrônoma e escritora referência mundial em agroecologia. 

O prêmio é uma iniciativa do Grupo Ric em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná – IAPAR-Emater (IDPR-Paraná) e do Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar). 

Ao todo, 16 categorias foram premiadas. As melhores práticas selecionadas serão apresentadas com mais detalhes a partir de dezembro, todos os domingos de manhã, em reportagens exibidas na RICtv e em seu canal no YouTube.

 

Estado precisa impulsionar a agroecologia 

Junto de Jovana, a agrônoma do IDR Cristina Celia Krawulki também foi premiada, por integrar a equipe de acompanhamento técnico da família. Também integram a equipe e estavam presentes no evento André Miguel, coordenador estadual de agroecologia do IDR, e o agrônomo do Instituto Paulo Mrtvi. 

Cristina conta que começou a acompanhar o lote da família de Jovana em 2018, quando o casal já tinha muito trabalho desenvolvido no sistema agroecológico. Com treinos e visitas com grupos de agricultores organizados pelo Instituto, o principal avanço da família é com a produção de tomate orgânico. Somente neste ano, foram colhidas 5 toneladas de tomate no sítio, e a expectativa para 2023 é de dobrar a produção.

A agrônoma explica que o IDR faz um trabalho de fomento, voltado à ampliação da produção agroecológica, especialmente para o atendimento de políticas públicas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o de Aquisição de Alimentos (PAA). 

"Nós orientamos os primeiros passos para a transição [do plantio convencional para o orgânico], apresentamos ferramentas de manejo adequado do solo, de instalação de barreira naturais, de manejo integrado de pragas e doenças, do uso de produtos biológicos para fazer o controle preventivo de pragas”, explica. 

Segundo a agrônoma, um dos principais desafios para o desenvolvimento da agroecologia no estado está na ampliação de certificadores para facilitar o acesso à certificação pelos agricultores. Até o meio deste ano, o Paraná era o maior produtor orgânico nacional, com cerca de 4 mil produtores cadastrados no Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). 

Eli Vive é exemplo de produção de alimentos e geração de renda

 

Juliana Barbosa / MSTAssentamento Eli Vive inaugura primeira agroindústria de milho livre de transgênico do Paraná

 

A prática premiada da família de Jovana faz parte de um contexto de muita organização coletiva e luta pelo desenvolvimento da Reforma Agrária Popular. Criado em 2009, o assentamento Eli Vive é formado por 501 famílias e cerca de 3 mil moradores. É a maior área de Reforma Agrária em região metropolitana do Brasil, com 7.500 hectares. 

Desde o início da comunidade, as famílias do Assentamento Eli Vive produzem para o auto-sustento e para a comercialização. Entre as linhas de produção se destacam: leite, hortaliças, café, panificação, frutíferas e grãos, principalmente milho. Parte dos lotes já conquistaram certificação de produção orgânica e agroecológica, projeto em crescimento na comunidade. 

A  Cooperativa Agroindustrial de Produção e Comercialização (Copacon) foi criada pelas famílias assentadas para otimizar a produção e a comercialização dos alimentos. Atualmente, cerca de 360 estão associadas à cooperativa, de 13 municípios diferentes. Além da renda gerada para os produtores (as), mais de 20 trabalhadores (as), todos(as) assentados e filhos de assentados, são funcionários da cooperativa.

Os números mostram a força produtiva do grupo associado. Na última safra, a cooperativa comercializou 15 mil sacas de milho, 10 mil de soja, 10 mil de feijão preto e carioquinha. Outras 15 toneladas de alimentos são entregues na Central de Abastecimento (Ceasa) toda semana, além da comercialização de 80 mil litros de leite por mês. 

Em julho deste ano, a comunidade festejou a inauguração de uma agroindústria de derivados de milho livre de transgênicos, com capacidade de beneficiamento de 24 toneladas por dia do alimento. A expectativa é produzir 1 milhão de toneladas de derivados de milho não transgênicos e agroecológicos por ano. A estrutura atual já garante a comercialização de fubá, farinha de milho biju, canjica amarela e canjiquinha xerém. Os resíduos do milho beneficiado serão transformados em ração para bovinos e suínos. 

Os alimentos da comunidade também abastecem as escolas públicas da região. São entregues 10 toneladas por semana de alimentos por semana ao  Programa de Alimentação Escolar (PNAE), chegando a mais de 100 escolas de Londrina e região. Uma padaria comunitária, coordenada por mulheres assentadas, também produz panificados para a alimentação escolar. 

Mais de 400 crianças e adolescentes estudam em duas escolas municipais e uma estadual do assentamento. A comunidade também tem um mercado e uma agropecuária na sede da comunidade, além de uma Associação de Mulheres e times de futebol feminino e masculino. O coletivo de saúde garante a implantação de hortas medicinais em cada lote.

As famílias têm grande preocupação em avançar na preservação e reflorestamento da área, e são guardiãs de mais de 100 minas d’água. Já foram plantadas mais de 10 mil árvores frutíferas, e ainda este ano, cerca de 40 mil mudas serão plantadas como parte do Plano Nacional Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis.  

 

Cooperação e agroecologia em áreas da Reforma Agrária

A cooperação entre as famílias assentadas e acampadas e o beneficiamento dos alimentos in-natura são a combinação que garante ampliação da geração de renda e de postos de trabalho no campo. No Paraná, são cerca de  60 agroindústrias, entre laticínios, padarias e agroindústrias de beneficiamento, ligadas a 24 cooperativas da Reforma Agrária. Mais de 7 mil famílias, de 200 municípios de todo o estado, fazem parte desta grande rede de produção. 

Ao todo, mais de 50 produtos são industrializados em áreas da Reforma Agrária, entre café, hortifruti, erva mate, mel, suco, milho e grãos em geral, derivados de leite e da cana-de-açúcar. 

Além da venda ao mercado convencional, em feiras e com venda direta ao consumidor, a produção chega também ao PNAE. Atualmente as cooperativas e associações da  Rede de Reforma Agrária são responsáveis pela execução de 22% dos recursos destinados à compra de merenda escolar da Agricultura Familiar pelo estado. 

Os alimentos da Reforma Agrária chegam a mais de mil escolas estaduais, garantindo refeições saudáveis a cerca de um milhão alunos da rede pública. Alimentos como feijão e arroz chegam a quase todas as escolas do Paraná.