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Artigo

Anselmo Ruoso

Publicado: 08 Maio, 2008 - 00h00

Max Weber define o Direito como o modo mais racional de institucionalizao do Poder sob a forma de dominao. Pois bem, o texto de Roberto Mangabeira Unger nada mais traduz do que a mxima weberiana, mas sob o vu de um projeto transformador de reviso abrangente e ousada das relaes entre o trabalho e o capital. Fundamenta as diretrizes propostas como uma nova quebra de paradigma desde o perodo de Getlio Vargas. Cabe lembrar que o processo implementado pelo pai dos trabalhadores foi antecedido por uma srie de lutas ferrenhas entre os trabalhadores, mais fortemente no incio do sculo passado, para conquist-las e se contrapuseram a uma trplice aliana: patres, Estado e Igreja (vide a encclica Rerum Novarum).

A natureza e objetivo enunciados na viso de reconstruo das relaes entre o trabalho e o capital por Mangabeira apresenta-se em mais uma releitura desenvolvimentista. Esquece a luta histrica dos trabalhadores que levaram conquista dos direitos da CLT, principalmente atravs dos embates travados pelos anarquistas e socialistas no incio do sculo passado. Caminha para o reducionismo dos grandes personagens, na figura de Vargas, como marco brasileiro a ser contemporizado.

Agora os grandes personagens so os capas das Centrais Sindicais, seno institucionalizados, acostumados com as estruturas criadas para fragmentar e evitar a unidade e verdadeira luta de enfrentamento pelos trabalhadores, no raramente com interesses de perpetuao do atual modelo. Do outro plo, os grandes personagens so representados pelos patres. E, no menos importante, apresenta como fiel da balana o Estado e o interesse de permanncia da dominao. Mostra, sem surpresa, o iderio conciliatrio no desempenho do papel que se props; jamais transformador como pretende pregar.

Assim, mais uma vez, intelectuais nomeados procuram explicar, como atores externos e isentos, a configurao do Estado Moderno e legitimar uma agenda legislativa como se essa pudesse ser desprovida de interesses e ideologias. Mangabeira Unger apresenta as diretrizes como um dspota esclarecido e assim deve ser lido e interpretado, um personagem que assumiu o papel de mediador dentro de um contexto social e de determinada correlao de foras.

O problema das premissas peca na origem, pois, falsas. Relaes entre o trabalho e o capital jamais estaro sob o signo de reconciliao entre o desenvolvimento e a justia. Porm, identifica verdadeiros problemas e com isso se coloca a reparar a realidade, mas com sofismas, a partir de uma inovao da estrutura varguista. Por exemplo, enumera corretamente o entrave institucional criado por Vargas com o modelo sindical que, em vez de ser parte da soluo, revelou-se ser parte do problema; que h uma minoria de trabalhadores assalariados com carteira; a fragmentao gerada pela unicidade sindical. Em contrapartida anuncia fatos como os da terceirizao, da falta de representao e da flexibilizao como se fossem fenmenos descolados um do outro.

O no temos futuro como uma China com menos gente ridiculariza a capacidade de interpretao do leitor e denota como suas premissas so falsas para dissimular o verdadeiro interesse pelo desenvolvimento, apenas produtivo, mas com uma nova roupagem de modernidade. Sim, preciso inovar na atual estrutura. Por isso no fcil ver a CUT abrir mo de princpios histricos como o da ampla autonomia e liberdade sindical, como o fim do imposto sindical, para sentar-se mesa com centrais que pouco ou nada representam, preocupadas apenas em manter o atual modelo da indstria sindical, tudo isso para garantir algum avano estrutural.

Assim, mesmo que esse processo, viciado na origem, pois debatida na cpula sem a ampla participao e mobilizao dos trabalhadores, represente alguns avanos como o reconhecimento das Centrais, significa um apaziguamento e permanncia na essncia do atual modelo. Princpios no se flexibilizam, mas tambm a realidade sindical to calcada institucionalmente, que no se pode fazer uma anlise superficial e leviana dentro da complexidade e herana cultural intervencionista engendrada no modelo criado no perodo de Getlio. Tambm, as circunstncias sociais, onde latente o receio de diminuio dos direitos como baluarte para o desenvolvimento produtivo, so aspectos que no podem ser menosprezados.

Contudo, apresentam-se algumas propostas que, se colocadas em prtica imediatamente, representaro uma modesta mas significativa possibilidade de mudanas na organizao dos trabalhadores. Ao defender a representao sindical de todos os trabalhadores pelo sindicato majoritrio em uma empresa, avana-se na representao dos trabalhadores terceirizados e temporrios. Construdo esse processo permite a entidade sindical fortalecer seu poder de mobilizao e construir para todos os trabalhadores, que esto lado a lado, os mesmos direitos. Unificaria de fato a classe trabalhadora dentro da empresa, pois, no justifica mais o conceito de categoria diferenciada (de certos profissionais).

Tambm, acabar-se-ia com os trabalhadores de segunda classe, bem como se colocaria a prova o prprio instituto da terceirizao, haja vista ser hoje sinnimo de precarizao das relaes de trabalho. Mas, como nem tudo perfeito, o atual modelo j provocou a criao de vrias entidades representativas desses trabalhadores e pela proposta defendida, neste caso prevalece o conceito da unidade sindical e nada muda.

A alterao do fim do imposto sindical pela participao negocial tambm representa um avano organizativo dos trabalhadores sobre dois aspectos. Primeiro porque o conjunto dos trabalhadores definir pela sua aprovao, logo estabelecer as condies financeiras para sustentarem seu poder de luta; sindicato pouco representativo no conseguir aprovar sua manuteno pelos trabalhadores. Segundo porque desta forma o modelo avana ao afirmar que toda a categoria, independente de ser sindicalizado, mas beneficiado pelas conquistas, responsvel pela permanncia das condies materiais de continuidade da luta e das mobilizaes, integrando de fato, ainda que pelo menos sobre o aspecto financeiro, todos os trabalhadores pelo futuro da categoria de forma mais participativa e solidria.

Outro aspecto a ser ressaltado nas diretrizes de Mangabeira so as propostas de combater as prticas anti-sindicais, que tm acabado de fato com o grande instrumento reivindicatrio dos trabalhadores: a greve. No menos importante, fundamental para o sistema organizativo, o reconhecimento de representantes dos trabalhadores no local de trabalho e para todo o operariado, a partir do sindicato majoritrio dentre as eventuais diversidades de sindicatos possveis de representao at ento engessadas pela unicidade sindical.

Em suma, as diretrizes da reconstruo das relaes entre o trabalho e o capital no Brasil deve ser lido criticamente, mas no de forma maniquesta. No se trata de nenhuma receita transformadora e revolucionria para o trabalhador. Tambm no d conta de resolver os problemas da maioria de trabalhadores excludos do mercado formal do trabalho. Passa a idia de um ator externo e isento pelas premissas desenvolvimentistas defendidas, embora exista todo um contedo impregnado de ideologias claramente no isentas de interesses.

A iseno um mito, visivelmente identificado em alguns conceitos definidos, como o de justia e de desenvolvimento. Entretanto, algumas propostas defendidas podem representar avanos e perspectivas de mudanas, que permitem representar efetivamente um processo de reconstruo e transformao das relaes capital-trabalho. Mudanas organizativas que precisam ser apropriadas pelos trabalhadores, jamais como soluo, mas mero instrumento de germinal transformao. Por exemplo, o fim do conceito da data-base, pode significar um processo de resgate do poder de mobilizao operria.

Certamente fora das premissas defendidas, mas para um novo sindicalismo que, culturalmente, pode aos poucos se formar para produzir uma greve geral, hoje inimaginvel no atual modelo pela fragmentao de categorias e, com isso, de datas-base. Se Getlio Vargas realizou o roubo da fala (1) dos trabalhadores, estes tambm podem parafrasear na inovao defendida por um modelo reformista-institucioanalizante de Mangabeira Unger e de todo e qualquer Estado de Direito weberiano.

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(1) Ttulo do livro do historiador Adalberto Paranhos, editora Boitempo, que resgata a apropriao e personificao de uma efervescente e necessria mudana das relaes de trabalho pela conquista de direitos dos trabalhadores, fruto de largo perodo de muitas lutas operrias que fatalmente eclodiriam, mas que passaram para a histria como doao pelo pai dos trabalhadores.




Por Anselmo Ruoso, presidente do Sindipetro PR/SC, em artigo escrito especialmente para o stio do IHU, nesse 1 de maio, Dia do Trabalhador.