Centrais Sindicais do Cone Sul rejeitam acordo Mercosul-União Europeia
Entidades divulgaram a Carta de Foz do Iguaçu após intensos debates em seminário realizado na tríplice fronteira
Publicado: 18 Setembro, 2025 - 11h07 | Última modificação: 18 Setembro, 2025 - 11h58
Escrito por: CUT-PR

As principais centrais sindicais do Conesul divulgaram documento, chamado de “Carta de Foz do Iguaçu”, no qual elencam os principais motivos da representação dos trabalhadores e trabalhadoras rejeitarem o acordo Mercosul-União Europeia. O texto foi articulado a partir de diversas contribuições e debates durante seminário realizado na tríplice fronteira nos dias 10 e 11 de setembro.
O texto critica a ausência de participação da sociedade nas negociações, alerta para riscos de desindustrialização e aponta que o pacto privilegia setores como agronegócio e mineração em detrimento da indústria do Mercosul. Estes setores, ainda, conhecidos pelas suas violações aos direitos da classe trabalhadora.
Os representantes do movimento sindical defendem a ampliação dos direitos sociais e da classe trabalhadora, além de cobrarem um estudo sobre os impactos do acordo nas garantias trabalhistas já existentes. As entidades também ressaltam a necessidade de vigilância permanente sobre os processos de ratificação do acordo, denunciando salvaguardas unilaterais da União Europeia que podem ampliar desigualdades e comprometer a integração regional.
“Este documento é fruto de um amplo debate englobando representantes de quem realmente será afetado pelo acordo, que é a classe trabalhadora. Representantes sindicais e também da academia participaram fazendo suas análises e apontando acertos e erros. Os patrões foram convidados, mas evidentemente, não participaram. Não podemos engolir com farinha qualquer coisa que nos empurram. É preciso avançar e não retroceder na organização, na luta e nos direitos da classes trabalahdora”, aponta Kieller.
Confira o documento na íntegra:
CARTA DE FOZ DO IGUAÇU
A Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul - CCSCS, reunida no Seminário "O Mundo do Trabalho e o Acordo Mercosul-União Europeia", realizado nos dias 10 e 11 de setembro na sede da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), em Foz do Iguaçu, Paraná, em cooperação com a Fundação Friedrich Ebert e da própria UNILA, após dois dias de discussões sobre os impactos do acordo de associação birregional, divulga o seguinte conteúdo:
O movimento sindical do Mercosul ratifica seu rechaço ao Acordo Mercosul União Europeia tal como há sido negociado sem participação da sociedade e sem levar em conta as assimetrias entre ambos blocos. O movimento sindical precisa seguir acompanhando de perto os processos de debate nos parlamentos nacionais e no Parlasul sobre a aprovação e implementação do Acordo Mercosul-União Europeia.
Nosso objetivo primordial é assegurar que as conquistas dos trabalhadores, obtidas no âmbito do Mercosul e nas legislações nacionais, sejam preservadas e ampliadas no texto final do referido acordo.
O atual texto do acordo, fruto de 25 anos de negociações entre os governos dos dois blocos, suscita profundas preocupações para as organizações dos trabalhadores do Mercosul. A ausência de um organismo vinculante que faça o monitoramento dos direitos laborais e o impacto para os empregos constitui um retrocesso na institucionalidade do MERCOSUL, no mecanismo da consulta tripartite estabelecida no Convênio 144 da OIT e na Declaração Sociolaboral.
É nosso dever inegável alertar a classe trabalhadora para os riscos que este acordo representa para o processo de integração regional do Mercosul, com ênfase particular no risco de desindustrialização e desintegração produtiva. O texto em sua forma atual privilegia uma lógica de relações de comércio exterior que pode desincentivar o investimento privado estrangeiro em países do Mercosul que não são favorecidos pela atual logística de transporte da região, e que hoje são protegidos pelas normativas do bloco.
Causa-nos enorme apreensão o fato de que essas relações comerciais privilegiarão setores como o agronegócio, a extração de minério e a extração de madeira, os quais historicamente são marcados pela violação de direitos humanos, sociais e laborais, pela perseguição de lideranças sindicais, por ataques a povos originários e pela maior incidência de trabalho análogo à escravidão e trabalho infantil, em sua cadeia produtiva. Serão esses os setores mais beneficiados economicamente por esta lógica comercial imposta pelo acordo, que também prejudica a indústria do Mercosul em favor da indústria europeia. Consideramos inaceitável que, em 2025, continuemos submetidos a uma lógica colonial de exportação de matérias-primas e importação de bens industrializados.
Avaliamos como estratégico e importante, para além do acompanhamento dos processos de debate e consulta nos parlamentos nacionais, no Parlasul e no Parlamento Europeu, o Fórum Consultivo Econômico Social é o Comitê Económico Social Europeu influenciar ativamente o processo seguinte para garantir, de forma clara e objetiva, a proteção dos direitos sociais e laborais previstos na Declaração Sociolaboral do Mercosul, nas legislações trabalhistas nacionais, assim como, nas normas internacionais da OIT. Essas referências devem servir de patamar mínimo para que possamos seguir na luta pela ampliação de direitos. Negamos a lógica atual das negociações do acordo, que estabelecem determinados padrões internacionais como um teto. Para nós, trabalhadores e para o movimento sindical, essas discussões são a base a partir da qual devemos ampliar direitos, bem como os organismos, ferramentas e meios de proteção para aqueles que são mais vulneráveis no contexto internacional: a classe trabalhadora.
Alertamos ao movimento sindical do Mercosul que este não é o momento de baixar a guarda em relação aos processos de ratificação e implementação do acordo. O contexto da geopolítica global, no qual os Estados Unidos, por meio da imposição de tarifas arbitrárias e desiguais, tentam intimidar países, não pode servir de justificativa para que o Mercosul se submeta incondicionalmente à União Europeia, assinando um acordo a qualquer custo ou preço. Alertamos ainda que a União Europeia decidiu no processo de aprovação do Conselho à criação de salvaguardas unilaterais para proteger os setores mais sensíveis. Essas decisões unilaterais atuariam como barreiras adicionais que se somam ao sistema de cotas que avalia o próprio acordo e que desafia toda normativa da OMC.
Ainda que os chefes de Estado anunciem que o acordo está fechado e que o texto final e revisado será assinado até o final deste ano, é necessário continuar apresentando las preocupações e dúvidas que afligem os trabalhadores e de exigir que os Estados do Mercosul apresentem estudos de impacto do acordo que considerem os efeitos sobre os trabalhadores em todos os países do bloco, sem se ater apenas às análises econômicas.
Paralelamente, devemos identificar os espaços de ação sindical no âmbito do acordo e as possibilidades de participação e controle sociolaboral por parte dos sindicatos sobre sua aplicação e implementação. Isso nos permitirá detectar, com a maior antecedência possível, qualquer sinal de prejuízo aos direitos dos trabalhadores ou desarticulação econômica que possa gerar desemprego e afetar os sistemas produtivos do Mercosul, para que os Estados possam tomar medidas de compensação ou de freio a essa lógica comercial.
Foz do Iguaçu, 11 de setembro de 2025.