Colégio cívico-militar de Curitiba obriga alunos a entoar canto que incita violência
Vídeo recebido pela APP-Sindicato mostra alunos(as) marchando e cantando versos como o que diz “Homem de preto, qual é sua missão? Entrar na favela e deixar corpo no chão”
Publicado: 01 Dezembro, 2025 - 09h42
Escrito por: APP-Sindicato
Imagens chocantes recebidas pela APP-Sindicato confirmam as denúncias de doutrinação e violação dos direitos dos(as) adolescentes pelo programa Colégios Cívico-militares, implantado de forma autoritária pelo governador Ratinho Jr. (PSD) no Paraná. No vídeo, estudantes de um colégio estadual de Curitiba entoam um canto com letra que faz apologia ao ódio e à violência, especialmente contra populações periféricas. “Homem de preto, qual é sua missão? Entrar na favela e deixar corpo no chão”, diz um dos trechos cantados pelos alunos(as) enquanto marcham na quadra da escola, sob observação de um militar aposentado.
“Absurdos como esse do vídeo não são casos isolados. Desde o início deste programa, temos recebido e denunciado ocorrências semelhantes e até piores em escolas que adotaram o modelo cívico-militar. É chocante ver que a escola pública esteja sendo usada para promover uma doutrinação ideológica extremista, que prega o ódio, a violência, o massacre e o extermínio de comunidades periféricas. Isso é muito grave e reforça a nossa luta contra a militarização da educação e a urgência do Poder Judiciário determinar o fim desse programa ilegal e inconstitucional”, afirma a presidenta da APP-Sindicato, Walkiria Mazeto.
A letra da música faz referência ao Batalhão de Operações Especiais (Bope), unidade da Polícia Militar conhecida em todo país pela alta letalidade. No filme “Tropa de Elite”, o diretor José Padilha faz uma crítica a atuação do Batalhão no Rio de Janeiro, que entra nas periferias para matar, como diz a letra da música entoada pelos adolescentes no colégio cívico-militar mostrado no vídeo.
“Homem de preto, o que é que você faz?
Eu faço coisas que assusta o satanás.
Homem de preto, qual é sua missão?
Entrar na favela e deixar corpo no chão.
O Bope tem guerreiros que matam fogueteiros.
Com a faca entre os dentes, esfola eles inteiros.
Mata, esfola, usando sempre o seu fuzil”.
Segundo o relatório “Pele Alvo: crônicas de dor e luta”, divulgado pela Rede de Observatórios da Segurança, 4.068 pessoas foram mortas em decorrência de intervenção policial, sendo 3.066 negras, em 2024. O número pode ser ainda maior, já que uma em cada oito mortes não tiveram a cor da pele informada.
O relatório mostra que 86% das vítimas das ações policiais, quando a cor é informada, são negras ou pardas. A maior parte das vítimas é jovem: 57% tinham entre 18 e 29 anos, e quase 300 eram adolescentes entre 12 e 17 anos de idade.
Sem qualificação
As escolas cívico-militares começaram a funcionar no Paraná em 2021, após consultas realizadas no ano anterior marcadas por casos de autoritarismo e desrespeito às comunidades escolares. A última consulta ocorreu em 2023 e atualmente o estado possui 312 colégios militarizados, mesmo após o presidente Lula encerrar, em 2023, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado em 2019 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
O programa prevê a contratação de policiais militares aposentados para atuar e interagir com os(as) estudantes nas escolas. Os(as) militares são chamados de monitores militares, mas em muitas escolas são conhecidos como diretores(as) militares, em sobreposição à autoridade dos(as) profissionais da educação.
Esse conflito também se demonstra na remuneração. Ratinho Jr. paga aos militares a quantia mensal de R$ 5,5 mil. Mesmo não tendo formação ou conhecimento sobre processo pedagógico, educação e interação com adolescentes e jovens, eles recebem mais do que os(as) professores(as), que têm o piso atual fixado em R$ 4,9 mil, para jornada de 40 horas semanais, e mais ainda do que os(as) funcionários(as) de escola que tem formação e qualificação para interação com os estudantes, os Agentes II, cujo piso salarial é R$ 4 mil.
Não à militarização
Desde o anúncio do modelo, a APP-Sindicato tem atuado na resistência, denunciando os problemas da iniciativa para estudantes, educadores(as) e para a qualidade do ensino. O sindicato também tem acompanhado e notificado casos de violência nas unidades militarizadas.
Uma reportagem publicada em 2024 pela APP-Sindicato ouviu estudantes indignados(as) com as mudanças impostas a partir daquele ano após em escolas que abandonaram o modelo democrático e passaram a adotar o cívico-militar. Os(as) adolescentes relataram que foram obrigados(as) a cumprir uma série de regras estéticas consideradas abusivas e que não possuem qualquer relação com o ensino.
“Me sinto péssimo, porque eles estão querendo mudar a personalidade das pessoas. Eles falaram que quem não tirar os piercings e os bonés vai ter que mudar de escola. O ambiente no colégio está péssimo. A gente vai para a escola estudar e aprender, mas chega lá, parece uma prisão”, contou um estudante.
As regras constam no manual das escolas cívico-militares. O documento alega que a padronização do cabelo e a proibição de acessórios seriam “aspectos educacionais relacionados com a higiene, boa aparência, sociabilidade, postura, dentre outros”. Mas, para os(as) estudantes, a prática é abusiva e promove discriminação contra a identidade de grupos sociais, como pessoas negras e LGBTI+.
Inconstitucional
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), movida pelo PT, PSOL e PCdoB, pede que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a inconstitucionalidade da Lei 20.338/2020, que criou o Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná, e do art. 1º, inciso VI, da Lei 18.590/2015, que proíbe eleições para direção nas escolas cívico-militares.
Em manifestação no processo, a Advocacia-Geral da União (AGU) considerou que o programa de escolas Cívico-Militares de Ratinho Jr. é inconstitucional. O parecer da AGU argumenta que estados não podem criar um modelo educacional que não esteja previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Além disso, o órgão ressalta que a Constituição Federal não prevê que militares exerçam funções de ensino ou de apoio escolar. O relator do caso no STF é o ministro Gilmar Mendes.
