MENU

Decisão judicial causa revolta ao associar crime a etnia negra

Entidades da sociedade civil pedem providências contra magistrada que proferiu a sentença

Publicado: 13 Agosto, 2020 - 10h05 | Última modificação: 13 Agosto, 2020 - 10h28

Escrito por: CUT Paraná

Reprodução
notice

Nesta quarta-feira (12) uma sentença da 1ª Vara Criminal de Curitiba causou revolta. A magistrada Inês Marchalek Zarpelon proferiu uma sentença que condenou o réu em virtude da cor de sua pele. “Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão de sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos”, diz trecho da decisão.

O fato gerou revolta e diversas entidades da sociedade civil pediram providências contra a juíza que agora, deverá responder, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pela sentença racista. A advogada do réu já anunciou que, além de interpelar o órgão, vai recorrer da decisão.

O secretário de combate ao Racismo da CUT Paraná e de Igualdade Racial da APP-Sindicato, Luiz Carlos dos Santos, o Luizinho, reforçou que este é mais um caso de racismo estrutural no Brasil. “Não podemos nos calar diante de qualquer manifestação racista, o magistrado brasileiro não está acima da lei, o racismo é crime inafiançável. O racismo é estruturante de nossa sociedade e todos os dia se manifestas em ações discriminatórias em todos os setores da sociedade. O racismo mata, sigamos na luta por uma sociedade antirracista”, apontou.

O Movimento Negro Unificando (MNU) divulgou uma nota sobre o caso. “O Movimento Negro Unificado, fundado em 1978, atua na superação do racismo e na construção de uma sociedade onde se pratique a democracia racial necessária. No entanto, a sentença proferida pela juíza Inês Marchalek Zarpelon constitui flagrante delito, um ato criminoso pois ofende o princípio constitucional e compromete o direito à defesa do acusado. O texto da sentença revela que a magistrada operou em malefício do réu porque ele é um homem negro”, diz trecho do texto.

A magistrada, por sua vez, após a enorme repercussão da sentença também divulgou uma nota para tentar explicar a situação. ”Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas”, disse a juíza no texto divulgado.

Para o secretário da CUT, Luiz Carlos dos Santos, no entanto, a nota não é suficiente e nega o inegável. “Basta de racismo, vidas negras importam”, enfatizou.

Confira a íntegra da nota do MNU: 

MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO – PARANÁ CARTA DENÚNCIA

O Movimento Negro Unificado, sessão Paraná, vem a público manifestar veemente repúdio e exigir providências no tocante as manifestações racistas da juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1a Vara Criminal da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba (PR).


De acordo com informações veiculadas na imprensa, a juíza Inês Marchalek Zarpelon julgou a Natan Vieira da Paz, 42 anos, o qual foi condenado a 14 anos e 2 meses de prisão. No texto da sentença, a juíza Inês Marchalek Zarpelon referiu-se ao réu, declarando que "sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão de sua raça."


O posicionamento da juíza em relação ao acusado extrapola a extensão de sua responsabilidade como julgadora. Conforme disposto no Inciso XLII do Artigo 5o da Constituição Federal,“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.” Ora, o Artigo 5o da Constituição Federal determina a igualdade entre todas as pessoas neste país, porém, a manifestação daquela autoridade no julgamento do réu entra em contradição absoluta com
o princípio constitucional.


O Movimento Negro Unificado, fundado em 1978, atua na superação do racismo e na construção de uma sociedade onde se pratique a democracia racial necessária. No entanto, a sentença proferida pela juíza Inês Marchalek Zarpelon constitui flagrante delito, um ato criminoso pois ofende o princípio constitucional e compromete o direito à defesa do acusado. O texto da sentença revela que a magistrada operou em malefício do réu porque ele é um homem negro.


Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, a noção de racismo abrange toda e qualquer forma de discriminação que implique em “distinções entre os
homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro”.1 Nesta linha, a sentença proferida pela juíza Zarpelon, ao atrelar a condição de ser criminoso à raça do indivíduo, resgata um argumento extremamente discriminatório contra a população negra do país, criado exclusivamente para manter uma suposta supremacia branca, oficializando o racismo como critério persecutório e punitivo.


O acontecimento também evidencia a urgência de mudanças no panorama da magistratura brasileira, majoritariamente masculina e branca. Faz-se cada vez mais necessária a presença de magistrados negros e negras no sistema judiciário, que compreendam e se posicionem contra o racismo, combatendo assim mecanismos de opressão que se perpetuam institucionalmente.


Desse modo, em vista da verdade, da justiça e da democracia, o Movimento Negro Unificado exige das autoridades a imediata anulação do referido julgamento presidido pela juíza Inês Marchalek Zarpelon e a instauração de novo julgamento para que se garanta a imparcialidade e o direito à justiça.


Com relação a manifestação da magistrada, o Movimento Negro Unificado exige a imediata instauração de processo administrativo disciplinar para apurar a conduta da juíza Zarpelon e que oficie-se o Ministério Público para apurar sua responsabilização pelo crime de racismo que praticou durante o exercício de sua função.

Curitiba, 12 de agosto de 2020
MNU Paraná – Seção Carlos Adilson Siqueira