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Governo do Paraná tenta golpe no Conselho de Promoção da Igualdade Racial

Representantes governamentais tentam impedir posse de presidente eleito pela sociedade civil organizada

Publicado: 28 Agosto, 2020 - 09h56 | Última modificação: 01 Setembro, 2020 - 10h23

Escrito por: CUT Paraná

Seju
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O secretário Mauro Rockenbach e o novo

Manobras políticas, ordem para impedir tramitação de documentos e até o uso da Justiça para impedir a posse do novo presidente do Conselho de Promoção de Igualdade Racial do Paraná (Consepir). O Governo do Estado está utilizando todas as formas possíveis para dar um golpe no conselho e manter o comando total de um órgão que deveria ser instrumento de controle social. A denúncia é de conselheiros da entidade. 

Com 28 integrantes (sendo 14 representantes da sociedade civil e 14 representantes governamentais), a legislação que rege o CONSEPIR, prevê um revezamento na presidência do conselho entre os dois segmentos. A presidência deve ser intercalada, a cada mandato, por representantes indicados por cada um dos segmentos. No mandato atual do CONSEPIR, a presidência deveria ser exercida por representante da sociedade civil. Mas desta vez não é o que está acontecendo. 

O último presidente eleito, Saul Dorval, pediu licença por motivos pessoais e por tempo indeterminado. O processo foi protocolado diretamente na Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho, e sequer foi comunicado ao CONSEPIR, que anunciou um presidente interino sem consultar os outros membros. “Fomos surpreendidos com a notícia em uma matéria ordinária no site da secretaria, sem qualquer ligação com a mudança. Todos fomos pegos de surpresa mesmo”, explica a secretária-geral do conselho, Juliana Mittelbach. 

Segundo ela, imediatamente após esse movimento, o Governo do Estado começou a tratar o representante governamental, Isaac Ramos, como presidente. Mas o conselho em momento algum foi comunicado. Nem da licença de Dorval, tampouco da decisão de nomear Ramos. “Mas ainda que tenha sido tudo protocolado, quem decide a presidência é o próprio conselho que reúne seus membros no pleno e vota. Não é o Governo do Estado”, afirmou. 

Dada a situação, o CONSEPIR seguiu os ritos legais e convocou uma reunião extraordinária para decidir qual caminho seria tomado. “Como não existe esta licença, interpretamos o caso como omisso. O próprio Saul disse que só retornaria quando fosse realizada nova conferência, então declaramos a vacância do cargo e elegemos um novo presidente da sociedade civil, como reza a legislação em vigor”, relatou Juliana.

José Luiz Teixeira, do Instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais, foi eleito pelos membros do conselho como novo presidente do órgão, representando a sociedade civil organizada. O Governo do Estado, neste momento, segundo Juliana Mittelbach, começou a travar o trâmite para a nomeação oficial do novo presidente eleito. 

“Fomos surpreendidos novamente. A funcionária responsável por encaminhar a decisão do conselho por ofício ao secretário disse que não o fez porque o próprio secretário, Mauro Rockenbach, disse não concordar com o encaminhamento e que o ofício não deveria ser enviado para publicação. É uma intervenção, pois eles não têm esse direito”, criticou a secretária-geral do CONSEPIR. 

O passo mais recente da tentativa de golpe aconteceu na última quinta-feira (20) através de um mandado de segurança que suspendeu a reunião que elegeu o novo presidente, bem como todos os demais efeitos tomados a partir das decisões dos conselheiros. “Foi um novo golpe, com um grau de intervenção ainda maior”, completou. Ainda segundo Juliana, representantes do conselho já buscam o Ministério Público e a própria Procuradoria Geral do Estado (PGE) para questionar o golpe dado pelo governo no CONSEPIR.

"Essa é a mesma tática do Governo Federal para nos calar. Nesse mesmo mês,  a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, anulou 14 mandatos entre titulares e suplentes, do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) que eram ocupados por membros do movimento negro, além da União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Isso ocorreu dias depois da Coalizão Negra por Direitos protocolar no dia 12 um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro por causa  da morte de mais de 100 mil pessoas vítimas da Covid-19. Eles farão de tudo para nos calar. Por isso precisamos lutar em conjunto para mudar a situação política do país e a nossa posição na sociedade", comparou a secretária nacional de combate ao racismo da CUT, Anatalina Lourenço.  

Para o secretário de combate ao racismo da CUT Paraná, Luiz Carlos dos Santos, a ação não é isolada e faz parte dos ataques à promoção da igualdade racial e a participação da sociedade civil nas formulação de políticas públicas. “Os ataques aos conselho estão alinhados à politica antidemocrática do governo federal para deslegitimizar a participação da sociedade civil organizada, que vem acontecendo desde a constituição de 1988, não podemos ficar indiferentes a essas ações de desmonte da legitima organização popular, hoje é o Consepir, amanha poderá ser outro conselho. Importante momento para o movimento social negro e demais movimentos sociais se juntarem na defesa deste importante espaço de luta do povo negro e cigano. Há muito que se fazer para derrotar a pauta antirracista e promover a igualdade racial. Sigamos na luta por uma sociedade antirracista. Vidas negras importam”, afirmou. 

O Conselho de Promoção da Igualdade Racial é um órgão consultivo e deliberativo de controle social que avalia, estimula e organiza políticas públicas voltadas para as populações negras e ciganas do Estado. Conta com 28 conselheiros, sendo 14 representantes do Governo do Estado e 14 da sociedade civil organizada. Nos últimos meses produziu documentos como o Estatuto da Igualdade étnico-racial do Paraná (aprovado pela ALEP e em fase final para publicação) e o plano estadual de políticas de promoção da igualdade racial para o período de 2020 a 2024. Recentemente também foi aprovado o fundo de promoção da igualdade racial gerido pelo conselho. O CONSEPIR tem ainda três editais em andamento (um para ONGs, outro com os municípios e o último com universidades estaduais) para financiar ações de combate ao racismos e promoção da igualdade racial. 

 

Repercussão – Como resultado do golpe, entidades da sociedade civil, principalmente dos movimentos negros, divulgaram nota criticando duramente a tentativa de intervenção do Governo do Estado no órgão. Confira o manifesto que foi assinado, até o momento, por diversas entidades. 

 

JUSTIÇA PARA CONSEPIR

MANIFESTO DA SOCIEDADE CIVIL EM REPÚDIO A INTERVENÇÃO DO GOVERNO DO PARANÁ NO CONSELHO DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL DO PARANÁ – CONSEPIR

As entidades da sociedade civil organizada abaixo descrita, unificadas na luta antirracista e na promoção da igualdade racial, vêm a público manifestar seu repúdio as intervenções do Governo do Paraná no CONSEPIR.

Fomos surpreendidos pela mídia do Governo com a notícia do licenciamento do presidente Saul Dorval da presidência do CONSEPIR, e a nomeação do conselheiro Isaac Ramos como presidente em exercício.

Tal ocorrido não foi comunicado ao conselho, e no Regimento Interno não há previsão de licença de qualquer integrante, sendo, portanto, caso omisso que deve ser debatido em reunião plenária do conselho. 

O Pleno do CONSEPIR, em reunião extraordinária, após análise do documento de pedido de licença, deliberou pelo entendimento de vacância do cargo e, respeitando o fato deste mandato ser presidido pela sociedade civil, elegeu novo presidente, tendo voto contrário somente do conselheiro vice-presidente Isaac Ramos.

Cabe a observação de que nesta mesma reunião o conselheiro Saul Dorval manifestou-se despedindo-se dos conselheiros e, dizendo que somente retornaria na Conferencia Estadual de Promoção de Igualdade Racial. Porém esta segue sem data definida, temos o entendimento que a ocorrência de maneira virtual geraria exclusão de povos vulneráveis como quilombolas e ciganos. Como o conselho é de promoção da igualdade, seria um equívoco proceder de forma excludente. 

Ao defender esta proposta de conferência virtual o Governo mostra o desconhecimento da realidade do povo negro e cigano paranaense e expressa o racismo institucional que tanto combatemos.

Após a realização da reunião extraordinária, solicitamos a secretária executiva do CONSEPIR, ligada à assessoria direta da secretaria de justiça, o encaminhamento do ofício com a informação da eleição no novo presidente, para a devida publicação em diário oficial. Recebemos a resposta de que o ofício não seria encaminhado por orientação do seu chefe da Secretaria de Justiça, Família e Trabalho, por ter um entendimento diferente do pleno. Uma intervenção arbitrária, que fere frontalmente o que diz o artigo 4º da Lei que cria o CONSEPIR, ou seja, o “ CONSEPIR não ficara sujeito a qualquer subordinação hierárquica ou político partidária, de forma a preservar sua autonomia e o regular exercício de suas atribuições”.

Estarrecedor como o chefe de uma secretaria, usa indevidamente a autoridade de seu cargo para impossibilitar a deliberação do Conselho de Promoção da Igualdade Racial, por não concordar com a decisão do pleno. 

Não podemos admitir que o governo imponha sua vontade e deslegitime as deliberações do controle social. Essa ação precisa ser denunciada a sociedade como num todo, para que outros conselhos de direitos não passem por este tipo de intervenção por parte da gestão pública.

A vontade do pleno foi silenciada, a deliberação foi censurada, as entidades representativas do povo negro e cigano foram desrespeitadas pelo Governo que negou o cumprimento do rito democrático, previsto no regimento interno do CONSEPIR e a Lei de sua criação.

Para além desta absurda interferência, o Governo se superou na intervenção ao utilizar do poder judiciário para impor ao CONSEPIR, através de Mandado de Segurança, a presidência do conselho a um gestor governamental. Desconsiderando assim a alternância dos segmentos na presidência do conselho que garante este mandato a sociedade civil, e desconsiderando também a vontade da maioria dos conselheiros e conselheiras.

Diante destes fatos manifestamos nosso repúdio a intervenção antidemocrática do governo do Estado do Paraná, que silencia a vontade expressa em voto das entidades do movimento negro e cigano, somada aos representantes governamentais que assim o fizeram e deliberaram. 

Exigimos expressamente, que o Governo reveja imediatamente sua prática e dê posse oficialmente, o mais breve possível, ao Conselheiro José Luiz Teixeira, da entidade Sorriso Negro dos Campos Gerais, no cargo de Presidente do Conselho de Promoção da Igualdade Racial. 

O CONSEPIR tem diversas pautas importantes e relevantes para discutir e votar ao povo negro e cigano, que não pode ser paralisada por conta da disputa imposta por este Governo.

Foram quase 350 anos de silenciamento pela escravidão. Não mais calarão a nossa voz. Nós enfrentaremos a casa grande.