MP abre abre procedimento para investigar abusos em colégios cívico-militares
A propaganda do governo prometeu segurança, mas é o medo e a indignação que passaram a fazer parte da rotina de mães, pais estudantes de colégios que foram militarizados no Paraná
Publicado: 29 Fevereiro, 2024 - 09h26
Escrito por: APP-Sindicato
Enganados(as) pelo governo e aterrorizados(as) com a exposição de seus filhos a situações vexatórias e tratamento degradante nas escolas cívico-militares do Paraná, pais e mães têm procurado o Ministério Público para denunciar atitudes de monitores militares. No entendimento de especialistas, as práticas adotadas por esse modelo de ensino na rede pública configuram abusos e graves violações de direitos das crianças e adolescentes.
“O governador prometeu colocar militares nas escolas para dar mais segurança, mas está sendo o contrário. Não está tendo segurança, inclusive as crianças estão sendo punidas e castigadas”, conta o pai de um adolescente que estuda em um colégio estadual da periferia de Curitiba, que migrou neste ano para o modelo militarizado.
O filho dele tem o cabelo comprido e relatou ao pai ter sido submetido a situações constrangedoras no ambiente escolar por iniciativas dos monitores. “Eles ficam gritando com as crianças, intimidando, ameaçando, falando que quem não cortar o cabelo do jeito que eles estão mandando e que quem usa brinco não vai entrar na escola e vai receber punição. Meu filho e os outros estudantes foram obrigados a ficar duas horas em pé, em posição de sentido”, relata.
O pai afirma que questionou a direção da escola sobre a ilegalidade das exigências e das práticas e sobre a falta de formação pedagógica dos monitores – que são policiais aposentados – para trabalhar com crianças e no ambiente escolar. Como resposta, diz que foi abordado de forma grosseira e orientado a procurar outra instituição, caso não esteja satisfeito com o novo método adotado na escola.
“Meu filho contou que no momento com os militares, um deles falou: não adianta vocês falarem para os pais que vocês ficaram duas, três aulas em pé, porque não vai resolver nada. Isso é um modo de coagir as crianças. A ditadura foi decretada nos colégios. A criança está traumatizada. Até mesmo o medidor cardíaco dele se altera no momento em que eles ficam com os militares. Foi extinta a palmatória, agora o jeito deles punirem os alunos é desta maneira”, desabafa. v
Conforme apuração da reportagem da APP-Sindicato, a 2ª Promotoria de Justiça da Criança e do Adolescente de Curitiba abriu um procedimento administrativo para apurar as denúncias e solicitar providências. Por tratar de direitos da criança e do adolescente, o processo tramita em segredo de justiça e o pai pediu para não ter seu nome revelado, para preservar a identidade da criança.
Estão violando o ECA
A mãe de um adolescente negro também procurou o Ministério Público em busca de proteção para os direitos de seu filho, que usa cabelo afro e brinco. O estudante está matriculado em outra escola cívico-militar da periferia de Curitiba.
Ela contesta a patrulha estética, que obriga os meninos a cortar o cabelo no estilo militar e retirar acessórios como brinco e piercing, sob ameaça de serem proibidos de acessar a escola e de receber punições. Com medo de que seu filho sofra retaliações, ela aceitou conceder entrevista, mas pediu que sua identidade e o nome da escola não fossem divulgados.
“Estão violando totalmente o ECA. Cadê os direitos dos nossos filhos? O que um cabelo vai interferir no aprendizado?”, contesta a mãe. Ela diz que se sente enganada pela escola, porque na reunião que antecedeu a consulta pública para decidir se o colégio abandonaria o modelo de ensino democrático, foi informado que só mudaria a cor do uniforme e que não haveria nenhuma imposição relacionada a identidade dos(as) alunos(as). De acordo com a mãe, as regras estéticas só foram informadas em uma reunião realizada no início do ano letivo.
“As crianças vão ser perseguidas, só não sei a partir de que dia. Então cada dia que meu filho vai, eu tenho mais medo de deixar ele nesse colégio. Eu não sei mais como as crianças são tratadas lá dentro. Eu me sinto bem insegura, porque até a maneira com que eles tratam os alunos está sendo grosseira. Eles não têm nada pedagógico para trabalhar com os alunos. Então eu venho trabalhar, meu filho vai para o colégio, mas eu não me sinto segura”.
Segundo a mãe, após ver outros estudantes negros e mais velhos da escola com o cabelo afro, o filho dela superou recentemente o sentimento de vergonha que tinha sobre sua aparência. Ela conta que buscou a direção da escola para explicar a importância do cabelo para o desenvolvimento e para a identidade racial do menino, mas não obteve sucesso. Inconformada com o tratamento recebido, passou a procurar outros órgãos para pedir ajuda e denunciar o problema.
“Já fiz reclamação no Ministério Público e na ouvidoria da Secretaria da Educação, porque eu sei que o ECA diz muito claro sobre a liberdade de expressão das crianças e adolescentes. Isso está sendo violado. Um cabelo, um brinco ou um piercing não vai influenciar no aprendizado de nenhum aluno. Muito pelo contrário, o que eles estão fazendo no colégio, está desestimulando os alunos a estudar”.
A mãe diz que também tentou mudar o filho para outra escola, mas não há vagas. Segundo ela, caso tenha sucesso com essa possibilidade, isso implicaria em outra violação de direitos e em despesas com a contratação de transporte privado, já que o transporte coletivo não possui linha na proximidade da sua casa com itinerário até outros estabelecimentos de ensino.
“Meu filho não é um militar. Eles não tão lá pra cuidar de policiais. Eles estão tratando as crianças como se fosse pra ser formação de policiais. E não é. O meu filho não vai tirar o brinco e não vai cortar o cabelo. Eu vou lutar por esse direito dele”.