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Privatização do Banestado: Trabalhadores bancários relembram venda criminosa do banco

Publicado: 18 Outubro, 2010 - 00h00

Escrito por: Fetec/CUT-PR

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PrivatizaPrivatizaH dez anos, no dia 17 de outubro de 2000, o Banco do Estado do Paran era vendido ao Ita pelo valor de R$ 1,6 bilho. Para comparar o valor irrisrio a que o banco foi repassado com a privatizao, somente nos seis primeiros meses de 2010, o Ita Unibanco j lucrou R$ 6,5 bilhes, percentual recorde para instituies bancrias em um semestre.

Os trabalhadores bancrios ainda no esquecem toda a mobilizao contra a privatizao do banco e suas consequncias, que foram sentidas por toda a categoria. O Banco chegou a ter 15 mil funcionrios, mas h dez anos, na poca da venda, eram oito mil.

Atualmente, so remanescentes do Banestado pouco mais de 1.600 bancrios no Ita Unibanco, de acordo com informaes do dirigente do Sindicato dos Bancrios de Curitiba e regio, Marcio Kieller, que membro da Comisso de Organizao dos Empregados (COE). O discurso poltico da poca que o banco estava quebrado, mas temos que contextualizar que o Paran assumiu uma dvida que s ser quitada em 2026, colocou na rua sete mil famlias e desestruturou toda uma regio. O bairro Santa Cndida desenvolvia seu comrcio em torno dos prdios do Banestado e se desestruturou aps a venda do banco, constata Marcio Kieller.

O episdio da privatizao do Banestado teve alguns personagens polticos que contriburam para a efetivao da venda do banco, considerada criminosa pelos dirigentes sindicais da categoria bancria. Entre eles, Jaime Lerner, o governador do Estado poca.

Dez anos depois da venda do banco, Jaime Lerner divulgou um artigo em que defendeu sua posio diante da privatizao. Disse ser uma deciso inescapvel, causada pelas perdas que os bancos tinham com o fim da inflao no pas, que teria causado dificuldades aos bancos aps a implantao do Plano Real, em 1994.

Ainda em 1994, o Banco Central informou ao governador que pretendia intervir no Banestado e outros dois bancos estaduais (Banespa e BANERJ). Lerner no deixou e se comprometeu a sanear o Banestado com a obteno de financiamento do Governo Federal, no valor de R$ 5,6 bilhes. Em contrapartida, era exigida federalizao ou privatizao. Lerner optou pela privatizao.
Na opinio de Roberto Von der Osten, secretrio de finanas da Confederao Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e dirigente da FETEC-CUT-PR, as questes centrais alegadas pelo governo Lerner para a privatizao do Banestado no resistem s anlises histricas. Podemos observar em entrevista dada por Reinold Stephanes (que presidiu o Banestado at sua privatizao) ao jornal Gazeta do Povo em 21 de agosto de 2010 que as coisas podiam ter tomado outro rumo, analisa Von der Osten.
Confira trechos da entrevista selecionados por Roberto Von der Osten:
1. Sobre o saneamento do Banestado
Eu entrei no Banestado (em janeiro de 1998) como aquele sujeito que tinha um bom relacionamento com o BC, com o Malan, com o governo federal e que tinha uma imagem pblica que poderia ajudar a recuperar a imagem do banco. Depois que eu conversei com vrias pessoas, eu cheguei concluso de que tinha condies de encarar o desafio. De fato, eu recuperei o banco e ele dava lucro quando foi privatizado (em outubro de 2000). Quando eu assumi, o banco estava no interbancrio (sistema de emprstimo entre bancos) com uma dvida de R$ 1 bilho ao dia. E o interbancrio tem uma taxa de juros elevadssima, uma taxa duas vezes superior quela que voc est emprestando. claro que no h banco que resista.
2. Banco Central de FHC boicotou o saneamento do Banco
Apesar disso tudo, o banco teria salvao. O problema que o BC demorou cerca de trs meses at fazer as liberaes para que a gente pudesse sair do interbancrio. Eles deveriam ter feito isso no dia que eu assumi. O que eu observei de cara foi o seguinte: se uma interveno ou o auxlio ao banco tivesse ocorrido seis meses antes de eu assumir, o banco teria saldado a prpria dvida. Houve uma sucesso de erros para trs e, depois que eu assumi, ainda aconteceu essa demora no comeo dos repasses do BC.
3. O Banestado foi deliberadamente rapinado e sucateado
Cheguei concluso de que o grande problema era a cpula que vinha sendo nomeada historicamente. E quando digo historicamente bom lembrar que at aquela poca haviam sido abertos pelo BC 70 inquritos para apurar irregularidades administrativas envolvendo quase 500 pessoas. As investigaes atingiram pessoas dentro de um perodo de 15 anos. O BC constatou que pelo menos desde 1985 as coisas j vinham sendo conduzidas de forma errada. claro que a coisa se acelerou no governo Lerner, que na minha opinio no soube tomar decises no momento exato, mas voc no pode culp-lo sozinho, os problemas vinham de muito antes.
4. Lerner preferiu queimar o arquivo livrando-se do Banestado
Se ele tivesse tomado a deciso antes (de socorrer o Banestado), ele (Lerner) teria salvo o banco, sem necessidade de privatiz-lo. Pelos meus clculos, um ano antes j teria resolvido. Agora, teria de ter nomeado os dirigentes certos. Se eu tornei o banco lucrativo, outras pessoas com capacidade tambm poderiam ter feito isso antes. Agora, o que foi que eu fiz? Eu tinha 12 diretores e reduzi para cinco no dia que assumi. Promovi mais de 2 mil demisses voluntrias. Fui buscar meu vice-presidente no Rio Grande Sul para isolar a questo poltica que existia. A gente sabe que aconteceram emprstimos absurdos. S eu cataloguei 300. Na poca, eu escrevi um artigo na Gazeta do Povo em que desabafei e disse que nunca em toda minha carreira pblica havia encontrado algo to irregular e corrupto quanto no Banestado.
5. Stephanes afirma que privatizar foi uma escolha de Lerner
Eu acabei sendo contra a privatizao, embora essa j fosse uma deciso tomada quando eu assumi o Banestado, porque eu achava que se tratava de um banco muito bom desde que bem administrado. Se ele j estava dando lucro, poderia gerar ainda mais e pagar a prpria dvida que tinha gerado. Mas ele teria de ser administrado como banco, nunca como uma repartio pblica. Se fosse assim, como alis era o costume, era bvio que no iria para frente. H um dado muito interessante sobre a qualidade do Banestado: quase todos os gerentes de agncias do interior foram mantidos pelo Ita. Significa que eles eram bons. Os superintendentes que eu havia nomeado tambm ficaram, alguns at foram transferidos para outras partes. O problema residia no uso poltico e na m administrao da parte central do banco.
6. Banco Central de FHC ajudou a deciso de Lerner
Tenho a impresso de que o Lerner foi forado pelo BC a privatizar o banco. medida que ele precisava de dinheiro para acabar com a sangria das dvidas, precisou de socorro e no tinha muito como negociar. Imagino o seguinte: quando ele chegou no BC dizendo que precisava de mais de R$ 1 bilho para acabar com o emprstimo interbancrio, eles devem ter dito para ele: ento voc vai privatizar esse banco. Ele deve ter aceitado porque sentiu que no havia outro caminho. O pessoal tcnico no via perspectivas no banco. Mas eu posso garantir uma coisa: se eu tivesse chegado um ano antes, teria recuperado o banco.
7. Havia outros caminhos e a privatizao no era inescapvel
Quando eu cheguei, o acordo de privatizao j estava assinado. Tentei reverter esse negcio, mas era complicado. A minha atitude pessoal foi contra a privatizao. Eu tentei ao menos segurar um pouco, mostrar que o banco ainda tinha alguma chance. Minha atitude era mais simblica. Era um protesto contra o que fizeram contra uma instituio que no passado havia sido muito saudvel.
8. Assembleia Legislativa teve uma pressa muito suspeita em votar a privatizao
O Banestado hoje uma discusso estril. No tem mais razo de ser, est vencida h dez anos. A discusso deveria ter sido mais aprofundada na poca, o que no ocorreu. Eu me lembro que torci muito para a Assembleia demorar mais para aprovar a privatizao, mas votou o essencial em 48 horas. Seria bom para todos se tivssemos mais um tempo. Mas havia um clima generalizado para votar logo e se livrar do abacaxi.
A ntegra da entrevista concedida por Reinold Stephanes ao jornalista Andr Gonalves, da Gazeta do Povo, est disponvel aqui (inserir link abaixo)
(http://www.gazetadopovo.com.br/votoconsciente/conteudo.phtml?tl=1&id=1038168&tit=O-Banestado-hoje-e-uma-discussao-esteril)
Von der Osten sustenta que visvel nesta entrevista, dada pelo presidente do Banestado sobre a privatizao, que o caminho escolhido foi ideolgico: Foi traado pela escolha neoliberal do governo FHC em abrir apetitosos espaos na economia para a iniciativa privada ampliar os seus lucros, defende o dirigente.
Fernando Henrique submeteu-se ao FMI e ao Banco Mundial e implementou um processo no debatido com a sociedade brasileira, de mnima participao do Estado na Economia, de prevalncia do livre mercado, de centralidade da propriedade privada escolheu o caminho da insero subordinada do Brasil na economia mundial globalizada, analisa Von der Osten.
Com esta escolha, o Banco Ita ocupou toda a rede de agncias que o Banestado havia construdo no Paran, selecionou as que estavam localizadas em cidades que davam lucro e fechou as agncias que estavam cumprindo um papel social em cidades de baixo rendimento. A possibilidade do Governo Estadual escolher as regies onde o crdito e o fomento seriam facilitados terminou, prevalecendo a relao de custo versus benefcio para uma cidade ter agncia bancria.
Uma prova definitiva de que o Paran precisava do Banestado a de que, em muitas cidades onde o banco estadual foi fechado, a sociedade organizou cooperativas de crdito para suprir os investimentos locais. O Paran perdeu esta ferramenta de desenvolvimento, completa Von der Osten.
De acordo com dados apresentados pelo atual governador do Estado, Orlando Pessuti, em abril de 2010, a venda do Banestado j tinha causado prejuzo de R$ 16 bilhes ao Paran. O Estado j tinha pagado seis bilhes de reais e ainda devia nove bilhes de reais referentes ao financiamento.

Posteriormente, o valor obtido no leilo de privatizao, de R$ 1,6 bilho, entrou diretamente nos cofres do Tesouro Nacional, mas quitou apenas 20% da dvida obtida pelo Estado para a realizao do saneamento. O pagamento do dbito seria em 30 anos, com juros de 6% ao ano. Para saneamento e manuteno do banco, e a no realizao da privatizao, o Governo do Estado deveria desembolsar R$ 2,2 bilhes, soma considerada poca invivel pelo governador. Acabou financiando R$ 5,6 bilhes e o banco foi vendido a R$ 1,6 bilho.

Para a privatizao do banco, o governo estadual se comprometeu a manter todos os seus recursos no Banestado durante cinco anos aps a venda; obrigao do estado de pagar uma dvida de R$ 5 bilhes; e incluso no leilo de 21% das aes da Copel. Os itens foram considerados prejudiciais em denncia dos trs senadores do Paran poca, lvaro Dias, Osmar Dias e Roberto Requio. Somente dois bancos foram selecionados para o leilo: Ita e Bradesco

No dia do leilo, 17 de outubro de 2000, o Sindicato dos Bancrios de Curitiba e regio havia obtido uma liminar no Tribunal de Justia do Paran para suspender a venda, mas o mesmo desembargador reconsiderou a deciso em favor da Procuradoria Geral do Estado e o leilo foi realizado na Bolsa de Valores do Paran.

Prejuzo pelos ttulos podres

A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) aplicou uma multa ao Governo Estadual quando o Estado se recusou a pagar pelos chamados ttulos podres, negociados poca da privatizao. Sem o pagamento dos ttulos, o Estado ficou sem receber repasses de recursos federais pelo Tesouro Nacional. Desde novembro de 2004 a STN deixou de repassar ao Estado R$ 262 milhes. Em abril de 2010 o Senado Federal aprovou por unanimidade o fim da multa e encerrou a luta do Estado de sete anos na justia para no ter que pagar por ttulos pblicos declarados nulos.

Os ttulos podres so papeis emitidos pelos estados de Alagoas, Pernambuco e Santa Catarina, e pelas cidades de Guarulhos e Osasco que foram para o Banestado no final da dcada de 1990, declarados nulos por decises judiciais. Para a compra do Banestado, o Ita exigiu que o Estado do Paran adquirisse esses ttulos, que posteriormente foram alvos de aes judiciais promovidas pelo Estado, que sustentou que no poderia pagar ao Ita por ttulos considerados nulos. A STN aplicou multa para que o Paran pagasse ao Ita R$ 456 milhes pelos ttulos.

Os males da privatizao
Marisa Stedile, Secretria Geral da CUT-PR, avalia o processo de privatizao do Banestado e as consequncias para o Paran nos ltimos dez anos. A dirigente, que foi presidente da FETEC-CUT-PR e do Sindicato dos Bancrios de Curitiba e regio, exercia o cargo de Conselheira eleita pelos funcionrios do Banestado poca da privatizao. A venda do banco estadual ao Ita foi efetivada no dia 17 de outubro de 2000. A FETEC-CUT-PR organizou o Comit em Defesa do Banestado e coordenou a resistncia dos trabalhadores bancrios junto aos seus sindicatos filiados.
Quais podem ser considerados os males da privatizao do Banestado?
Marisa Stedile - Vou listar apenas os mais significativos. Com a privatizao do Banestado, o Paran perdeu seu instrumento de fomento e financiamento de polticas pblicas, como as que se relacionam com a agricultura e a habitao. Para se ter uma ideia, em 1999 o Banestado tinha investido R$ 1,1 bilho em financiamento habitacional e R$ 44,2 milhes na agricultura.
O processo de privatizao, iniciado em agosto de 1997, cortou cerca de 8.300 empregos diretos e muitos outros indiretos, composto por funcionrios da seguradora, da corretora, da limpeza, conservao e segurana. Muitos desses trabalhadores adoeceram e muitos no conseguiram se colocar novamente no mercado de trabalho.
A privatizao gerou uma dvida aos cofres do Estado do Paran que compromete 13% do oramento anual, equivalente a mais de R$ 800 milhes ao ano. Isso porque o governo do Estado buscou recursos federais para sanear o banco. Em 1999 o processo contabilizava R$ 1,5 bilho em ativos irrealizveis (crditos inadimplentes de pessoas fsicas e jurdicas que nunca iriam pagar o que pegaram emprestado).
Houve apropriao de patrimnio pblico por parte da iniciativa privada. Alm da rede de agncias e imveis, o Ita ficou com mais de R$ 1,6 bilho em crditos tributrios que pode descontar do imposto que deveria pagar sobre o lucro obtido em anos posteriores.
O controle acionrio da Copel corre risco, ainda hoje, pois o governo do Estado usou as aes da Companhia como garantia na compra de ttulos pblicos falidos de municpios (Osasco e Guarulhos) e estados (Pernambuco, Alagoas e Santa Catarina), cujas irregularidades ficaram comprovadas na CPI dos Precatrios realizada pelo Senado Federal. Caso o governo no pague, o Ita poder se apropriar tambm da Copel.
Na sua opinio, qual seria a alternativa para salvar o banco e reverter as demisses que ocorreram na poca?
Marisa Stedile - A nica sada teria sido uma grande mobilizao popular, que no aconteceu. Isso porque a bancada Lernista da Assembleia Legislativa era maioria e estava totalmente a favor da entrega do banco. O Poder Judicirio no acatou nenhuma das aes judiciais propostas contra a venda. A imprensa estava totalmente a favor da privatizao, no questionou as ilegalidades do processo, que foram muitas e denunciadas.
Para reverter ou impedir as demisses bastava que o Tribunal Superior do Trabalho (TST), poca presidido por Almir Pazzianoto, tivesse acatado o pedido que os sindicatos e a FETEC-CUT-PR fizeram, de se estabelecer um perodo de estabilidade de emprego. Na audincia, ocorrida em Braslia no dia 18 de outubro de 2000, um dia aps o leilo, o Ministro foi enftico declarando que conhecia o Dr. Olavo Setbal (presidente do Ita) e que conversaria com ele pessoalmente para que no houvesse demisses, no sendo necessrio colocar isso por escrito.
Considerando que o Estado ainda tem uma dvida at 2026, referente ao financiamento pelo PROES, como essa situao foi aceita na poca pelas pessoas que venderam o banco?
Marisa Stedile - As pessoas que venderam o banco estavam coniventes com o endividamento do Estado. Pior, colocaram uma p de cal em cima de muitas operaes ilegais feitas por uma gesto temerria. Para isso usaram expedientes sem nenhuma transparncia ou controle, editais direcionados, subavaliao dos imveis e mesmo dos recursos tecnolgicos do banco. O governo Lerner sequer vacilou em endividar o Estado.
Tambm chamo a ateno para o papel irresponsvel do Banco Central, ento dirigido pelo PSDB. A diretora de fiscalizao do BC, Tereza Grossi, foi agraciada posteriormente com um assento no Conselho de Administrao do Banco Ita e, Pedro Malan, ento Ministro da Fazenda e controlador da Comisso de Valores Mobilirios (CVM) tambm recebeu como presente um cargo no Conselho de Administrao do Unibanco. Tirem suas prprias concluses.



Por Paula Padilha, com a colaborao dos dirigentes sindicais Roberto Von der Osten, Marisa Stedile e Marcio Kieller, bancrios provenientes do Banestado