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Ratinho Jr. quer aprovar “cheque em branco” para militarizar mais escolas no Paraná

Projeto de lei enviado para votação em regime de urgência permite a militarização de escolas em tempo integral e autoriza secretário da Educação tomar decisões não previstas na legislação

Publicado: 21 Outubro, 2025 - 11h05

Escrito por: APP-Sindicato

Ascom / APP-Sindicato
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O governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), enviou nesta segunda-feira (20) um projeto de lei à Assembleia Legislativa (Alep), para votação em regime de urgência, que acrescenta as escolas que ofertam a educação em tempo integral entre os estabelecimentos da rede estadual que podem ser militarizados. O texto também flexibiliza as regras do processo de consulta à comunidade e atribui ao secretário da Educação poder de decisão inclusive sobre situações não previstas na legislação. 

A iniciativa ignora o fato de que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) ações que questionam a legalidade e a constitucionalidade da militarização de escolas. A presidenta da APP-Sindicato, Walkiria Mazeto, critica a medida, reforçando que a proposta é uma propaganda ideológica do governador que, além de ilegal, não melhora a educação.

“Não há justificativa para ampliar o Programa Cívico-Militar no Paraná. Precisamos debater a melhoria da qualidade na educação em todas as escolas. A Secretaria de Educação precisa garantir condições de trabalho e aprendizagem em todas as escolas, e não criar segregação, dando condições diferenciadas para depois avaliar de mesmo modo todas as escolas”, afirma.

Para a secretária Educacional da APP-Sindicato, Vanta Santana, a medida apresentada pelo governador Ratinho Jr. aprofunda a desvalorização da educação. “Sempre defendemos que a formação crítica, criativa e emancipadora era a base para superação da enorme desigualdade social que impede que filhos e filhas da classe trabalhadora tenham acesso ao conhecimento e à riqueza socialmente produzidos. Ao contrário, queremos escolas de tempo integral com formação integral, com liberdade de expressão das  diversidades culturais e sociais, não a segregação,  o autoritarismo e a exclusão escolar”, declara.

Cheque em branco

O projeto de lei enviado pelo governo estadual altera dispositivos da Lei 21.327/22, que instituiu o Programa Colégios Cívico-Militares no Paraná. Além de incluir as escolas que ofertam ensino em tempo integral, o texto muda as regras da votação realizada para decidir se a comunidade escolar aceita o modelo. 

Pela norma atual, em caso de não haver quórum, a consulta pode ser repetida por três vezes e, não sendo atingido, a proposta de militarização é rejeitada. Pela proposta de alteração, em caso de quórum insuficiente para aprovar a mudança do regime escolar democrático para o militarizado, a votação poderá ser repetida por mais uma vez e, se ainda assim o quórum necessário não for atingido, a decisão caberá ao secretário de Estado da Educação.

Essa mudança, se for aprovada, representa mais um golpe contra a gestão democrática e desmascara a falsa democracia alegada pelo governo ao propor o modelo. Na prática, a medida é uma estratégia da gestão Ratinho Jr. para evitar ser derrotada, como aconteceu em edições anteriores da consulta onde a comunidade escolar, contrária ao projeto, não quis participar da votação ou votou contra a medida.

O caráter ilegal e autoritário da proposta também fica expresso na inclusão de um parágrafo único ao artigo 13 da Lei 21.327/ 2022, com a seguinte redação: “Parágrafo único. Os casos omissos serão analisados pela Secretaria de Estado da Educação – SEED”. O texto demonstra o interesse do governo em transformar a lei em um “cheque em branco”, para que o secretário da Educação tenha plenos poderes e possa tomar decisões inclusive sobre situações não previstas na legislação ou até que contrariem os dispositivos legais.

Inconstitucional

As escolas militarizadas começaram a funcionar no Paraná em 2021, após consultas à comunidade realizadas no ano anterior marcadas por casos de autoritarismo e desrespeito às comunidades escolares. A última consulta ocorreu em 2023 e atualmente o estado possui 312 colégios militarizados, mesmo após o presidente Lula encerrar, em 2023, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado em 2019 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

O programa prevê a contratação de policiais militares aposentados para atuar e interagir com os(as) estudantes nas escolas. Os(as) militares são chamados de monitores militares, mas em muitas escolas são conhecidos como diretores(as) militares, em sobreposição à autoridade dos profissionais da educação.

Esse conflito também se demonstra na remuneração. Ratinho Jr. paga aos militares a quantia mensal de R$ 5,5 mil. Mesmo não tendo formação ou conhecimento sobre processo pedagógico, educação e interação com adolescentes e jovens, eles recebem mais do que os(as) professores(as), que têm o piso atual fixado em R$ 4,9 mil no estado, para jornada de 40 horas semanais, e mais ainda do que os(as) funcionários(as) de escola que tem formação e qualificação para interação com os estudantes, os Agentes II, cujo piso salarial é R$ 4 mil.

Desde o anúncio do modelo, a APP-Sindicato tem atuado na resistência, denunciando os problemas da iniciativa para estudantes, educadores(as) e para a qualidade do ensino. O sindicato também tem acompanhado e notificado casos de violência nas unidades militarizadas.

Uma reportagem publicada em 2024 pela APP-Sindicato ouviu estudantes indignados(as) com as mudanças impostas a partir daquele ano após em escolas que abandonaram o modelo democrático e passaram a adotar o cívico-militar. Os(as) adolescentes relataram que foram obrigados(as) a cumprir uma série de regras estéticas consideradas abusivas e que não possuem qualquer relação com o ensino.

“Me sinto péssimo, porque eles estão querendo mudar a personalidade das pessoas. Eles falaram que quem não tirar os piercings e os bonés vai ter que mudar de escola. O ambiente no colégio está péssimo. A gente vai para a escola estudar e aprender, mas chega lá, parece uma prisão”, contou um estudante.

As regras constam no manual das escolas cívico-militares. O documento alega que a padronização do cabelo e a proibição de acessórios seriam “aspectos educacionais relacionados com a higiene, boa aparência, sociabilidade, postura, dentre outros”. Mas, para os(as) estudantes, a prática é abusiva e promove discriminação contra a identidade de grupos sociais, como pessoas negras e LGBTI+. 

 

 

STF

Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), movida pelo PT, PSOL e PCdoB, pede que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a inconstitucionalidade da Lei 20.338/2020, que criou o Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná, e do art. 1º, inciso VI, da Lei 18.590/2015, que proíbe eleições para direção nas escolas cívico-militares.

Em manifestação no processo, a Advocacia-Geral da União (AGU) considerou que o programa de escolas Cívico-Militares de Ratinho Jr. é inconstitucional. O parecer da AGU argumenta que estados não podem criar um modelo educacional que não esteja previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Além disso, o órgão ressalta que a Constituição Federal não prevê que militares exerçam funções de ensino ou de apoio escolar. O relator do caso no STF é o ministro Gilmar Mendes.