Seara é condenada a pagar R$ 10 milhões por expor trabalhadores à Covid-19
Sentença da Justiça do Trabalho fixou indenização por dano moral coletivo e determinou medidas de proteção
Publicado: 15 Março, 2022 - 13h42 | Última modificação: 15 Março, 2022 - 14h18
Escrito por: Gibran Mendes, da CUT-PR | Editado por: Marize Muniz
A Seara, do grupo JBS, uma das principais empresas do mundo no setor de proteína animal, foi condenada pela Justiça do Trabalho ao pagamento de R$ 10 milhões por expor seus trabalhadores ao risco de contaminação por Covid-19 em um frigorífico localizado em Rolândia, na região Norte do Paraná.
A condenação foi estabelecida por danos morais coletivos e ainda fixou uma série de obrigações que a empresa deverá respeitar para proteger a saúde dos seus trabalhadores e trabalhadoras.
As ações que devem ser adotadas são de cunho básico, mas que até então, não eram observadas pela empresa, entre elas, a realização de testes para detecção de Covid-19, a garantia do distanciamento social e o fornecimento diário de máscaras com padrão de proteção suficiente para evitar a disseminação do vírus, como as PFF2 e N95.
Segundo o procurador Heiler Natali, do Ministério Público do Trabalho (MPT), uma perícia foi realizada em novembro de 2020 apontou que no setor de evisceração, por exemplo, "os empregados trabalhavam tocando uns aos outros o tempo todo, pois o espaço físico é bastante limitado".
Além disso, os trabalhadores e trabalhadoras usavam máscaras de pano, segundo a sentença proferida contra a Seara. As máscaras de pano, alertaram vários cientistas, não são eficazes, especialmente nos casos da variante ômicron, altamente contagiosa.
“A sentença foi uma vitória para a categoria”, comemora o presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Paraná (Ftia), Ernane Garcia Ferreira. Segundo ele, a Federação e os sindicatos buscaram alertar sobre os riscos, mas foram ignorados pela JBS.
“Nesta unidade [frigorífico da Seara em Rolândia] uma trabalhadora foi a óbito e tentamos estabelecer o diálogo com a unidade da empresa, mas nos fecharam as portas com o argumento que já estava tudo resolvido e que o caso era fora da empresa”, diz o dirigente, que complementa: “Fizemos diversos informes sobre a quantidade de pessoas que andavam nos ônibus contratados, de diversas cidades da região e que estavam adoecendo”.
Ainda de acordo com o dirigente, foi neste momento que resolveram procurar o Ministério Público do Trabalho. “Como a empresa não nos deu ouvidos, levamos toda a situação ao conhecimento do MPT que iniciou uma investigação. É uma vitória para nós e precisamos ressaltar o papel do Ministério Público que atuou muito bem, inclusive, na ausência do Ministério do Trabalho e dos órgãos de fiscalização estaduais e também do próprio município. Foi a partir desta atuação que conseguimos amenizar a situação na unidade”, completou Garcia.
Casos de Covid no frigorifico de Rolândia
Ao todo foram confirmados 159 casos de Covid-19 na unidade do firgorificode Rolândia, que tem cerca de 3,5 mil trabalhadores e trabalhadoras, uma taxa de contaminação quase que o dobro da registrada na cidade inteira.
O número de casos suspeitos, contudo, foi bem maior. Chegou na casa de 1.118 suspeitas.
Entretanto, como a Seara não realizava testes em massa, não é possível saber exatamente quantos foram contaminados.
Outro ponto contestado foi que os empregados com casos confirmados eram afastados por prazos inferiores ao recomendado pelas autoridades sanitárias.
"A JBS [dona da marca Seara] tem um lema que diz que a saúde é inegociável. Se fosse inegociável, ela aceitaria testar as pessoas suspeitas de contaminação, mas ela não fez nada disso", disse o procurador do Ministério Público do Trabalho, Heiler Natali, em entrevista ao UOL.
A reportagem ainda lembra que o setor dos frigoríficos é um dos campeões em acidentes e doenças ocupacionais. Somente em 2020 o número foi de 21,5 mil, ou seja, 59 para cada dia do ano. As péssimas condições de trabalho para a categoria não são novidades.
Além de inúmeras ações e condenações na Justiça do Trabalho, a situação motivou a produção do documentário “Carne e Osso”, de 2011, que mostra o dia a dia destes trabalhadores e trabalhadoras e o reflexo na saúde a partir das condições desumanas de trabalho.