A audiência pública “Medo, pressão e assédio: A saúde mental dos bancários e financiários” teve como proponente na casa legislativa a deputada estadual Ana Julia (PT), que preside a Frente Parlamentar de Proteção à Saúde Mental.
A nossa ideia para todas as atividades da Frente (Parlamentar) é o acúmulo de informações nos debates para uma proposição legislativa ao Estado sobre saúde mental, pensando na saúde de trabalhadoras e trabalhadores. Hoje não temos políticas públicas voltadas à proteção da saúde mental. Tudo o que temos até agora é remediar, quando o problema já existe, sob a perspectiva medicamentosa”, resumiu a deputada Ana Julia na abertura da mesa.
Cristiane Zacarias, presidenta do Sindicato dos Bancários e Financiários de Curitiba e região, destacou que a função de uma Assembleia Legislativa e de seus deputados e deputadas é fazer valer o interesse das pessoas, e por esse motivo o Sindicato levou o debate da saúde mental dos trabalhadores do sistema financeiro para a Alep.
“Queremos que essa casa produza normas para enfrentar a perversidade em relação à jornada de trabalho, à cobrança de metas. Garantir que essas leis existam e que sejam aplicadas, porque a lei no papel não faz efeito na vida do trabalhador”, defende.
Viemos trocar ideias sobre como ajudar e melhorar. Que essa busca nos humanize e nos faça olhar as pessoas buscando a dignidade como referência nas tomadas de decisão”, define a presidenta do Sindicato, Cristiane Zacarias.
Invisibilidade: lucro para os bancos, adoecimento para os trabalhadores
A Contraf-CUT foi representada na audiência pública pelo Secretário de Comunicação, Elias Jordão, e pelo Secretário de Saúde, Mauro Salles, que apresentaram dados e situações que demonstram que a perversidade dos bancos com seus trabalhadores tem abrangência nacional e que houve uma mudança nas causas do adoecimento dos bancários na última década.
Há uma década nós tínhamos outro debate, era outro flagelo na categoria, as LER/Dort (Lesões por Esforços Repetitivos e Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho), e hoje o flagelo é o adoecimento mental. O número de afastamentos do nosso setor é um dos maiores e quando bancários são afastados é que os bancos tentam descaracterizar o seu grau de responsabilidade. Jogam para o gestor. E por isso chamamos de violência organizacional”, afirma Elias Jordão.
“As causas desse adoecimento temos muito claro: as metas abusivas, que são cobradas para geração de lucros bilionários. A cada ano, o setor financeiro é o mais lucrativo do país, é lucro em cima de lucro, nem prejuízo eles têm. O que a gente percebe é uma situação muito clara: fica o lucro para os bancos e o adoecimento para os trabalhadores”.
O tema da saúde mental necessita ter visibilidade na sociedade, é muito sério, muito trágico. Tema que não é só do Paraná, o fato de temos representantes de diversos estados aqui mostra a relevância desse debate e eu venho com a responsabilidade e o dever de acusar os bancos. Eu acuso os bancos: de praticar uma política de gestão que gera sofrimento, que gera adoecimento”, externalizou Mauro Salles.
Para ele, o grande feito da audiência pública é escancaram essa realidade, torná-la visível, para transformá-la e cita como os dados sobre afastamentos e pesquisas acadêmicas sobre saúde mental legitimam decisões judiciais favoráveis aos trabalhadores.
“Os dados da Previdência Social não mentem, são claros na relação do adoecimento com o trabalho. A categoria bancária adoece e afasta muito mais que o conjunto das outras categorias, tem a ver com a relação de trabalho. Os dados são contundentes e a Justiça também reconhece o nexo com o trabalho, os bancos são condenados de forma costumaz. Inúmeras pesquisas de entidades e universidades conceituadas confirmam essa relação: a forma como os bancos impõem sua gestão tem relação com o alto índice de adoecimento, especialmente o psíquico. Eu acuso os bancos de escolherem ignorar”, afirma.
Deonísio Schmidt, presidente da Fetec-CUT-PR, relembrou que a mudança da tipificação dos afastamentos de bancários, entre os anos 1990 e 2000, se confunde com a mudança do modelo de gestão dos bancos e que agora é vigente o modelo individualista, fomentando a competitividade na busca pelas metas.
Um bancário, para se dar bem, precisa que o outro esteja mal, criando um ambiente desagregador e conflituoso onde deveria ser um ambiente de organização coletiva. Existe um controle de vigilância absurda, de minuto a minuto, isso faz com que muitos bancários já afetados acordem de madrugada e começam a repugnar sua vida no dia seguinte e pensar para qual cliente vão vender no dia seguinte. O modelo capitalista faz isso com a gente hoje”, explica Deonísio Schmidt.
Problema de saúde pública
“Acuso os bancos de busca insana por resultados, de engrenagem cruel, de mecanismo adoecedor, de métricas inalcançáveis, de avaliação de metas manipulada por consultorias pagas”, diz Mauro Salles. Ele explica na audiência que o mecanismo adoecedor utilizado pelos bancos tem a remuneração vinculada e pressão total para atingi-la.
“Assédio moral virou prática cotidiana, a pressão através do assédio moral é utilizada como ferramenta de intimidação: com ameaça de desemprego, e quando adoecem são perseguidos, não recebem orientação adequada. Os bancos deveriam acolher e perseguem. Esse processo todo gera pressão constante nos trabalhadores, uma realidade que ninguém aguenta mais”.
As tarefas pretendidas a partir da audiência pública são dar visibilidade, cobrar das instituições públicas de fiscalização uma ação concreta, intervir no trabalho bancário.
“Temos que ter ações concretas, não somente a crítica, para supera-lo, é um problema de saúde pública, de direitos humanos e da sociedade, não somente da categoria bancária. Eu acuso os bancos, são eles os geradores desses altos níveis de adoecimento”, finaliza o diretor de Saúde da Contraf-CUT.
Papel dos Sindicatos
“Nós precisamos nos apropriar do debate que temos que fazer com os bancos pelo fim das metas. Precisamos enfrentar a imposição das metas, a forma como são cobradas, enfrentar o assédio, que tem adoecido os trabalhadores. O contrário disso é a precarização do trabalho e o adoecimento”, explica Cristiane Zacarias, citando como exemplos de perversidade da gestão dos bancos os casos de terceirização no Santander, que retirou direitos de bancários garantidos pela Convenção Coletiva através de contratação fraudulenta, e a postura do Paraná Banco, que fechou todas as suas unidades e demitiu seus trabalhadores. “A nossa proposta aqui é nos fortalecer para enfrentar esse sistema com qualificação, por isso estamos buscando o apoio de todos vocês”.
O papel do sistema capitalista no adoecimento dos trabalhadores também foi abordado por Elaine Rodella, psicóloga com especialização em saúde pública, aposentada do SindSaúde e integrante do Fórum Popular de Saúde (Fops). Ela explicou que o sofrimento provocado pelo trabalho na categoria bancária também atinge outras categorias de trabalhadores.
“Olhando para os bancários e bancárias também me identifico como trabalhadora, como pessoa e como categoria que também passa por assédio laboral, venho aqui também para falar que se vocês estão sofrendo, é sofrimento próprio do capitalismo, que faz a classe trabalhadora sofrer”, pontua.
Para ela, o papel das audiências públicas, dos sindicatos trabalhando, da organização nacional, é poder produzir um pacto de resistência para que o capital seja colocado em cheque. “O direito humano ao trabalho é para ter uma vida digna, mas vivemos a inversão disso. É o momento de avaliar o que está acontecendo para seguir adiante com ações. A partir dessa avaliação é que nós podemos caminhar e avançar. Como sanitarista gostaria de apontar que: temos uma mesa para acusar o sistema bancário de adoecer trabalhadores, é essa a realidade, não são casos isolados”, alerta. “Os banqueiros se organizaram para criar isso e os bancários não têm por onde fugir, a não ser pela organização sindical, para denunciar. É nessa união da classe trabalhador que a gente vai poder denunciar as várias formas do adoecer da classe trabalhadora gerado por esse modelo capitalista”, reafirma Elaine.
Nessa mesma toada, o Secretário de Saúde da CUT Paraná, José Lima (Bocão), que é da base do sindicato da construção civil, defendeu que o debate tem que ser amplo, unificando todos os ramos, e com participação dos ramos nas conferências públicas sobre saúde nos municípios e no estado.
“Falar sobre saúde mental é sempre sobre a meta e ela não entra só para o trabalhador bancário. A praga da meta que o capital usa e explora. É o pequeno trabalhador da agricultura no interior, ele arranca o feijão e o arroz pela meta. Nós da construção civil, (o trabalhador) vira prestador de serviço com CNPJ pensando em enriquecer e acaba destruindo a saúde dele por conta da meta. No transporte coletivo, tem horário pra cumprir e se não cumpre é punido. A gente tem que fazer esse debate amplo, unificar todos os ramos”, diz.
Acolhimento em saúde mental
Durante as intervenções da plenária, a assistente social do Sindicato, Juliana Moraes, agradeceu a presença de técnicos das instituições que atendem bancários adoecidos em todas as pontas que o Sindicato acolhe e orienta quando o trabalhador adoecido procura ajuda.
“A saúde do trabalhador deve ser uma ação intersecional, interdisciplinar, é necessária uma força tarefa para acolher e encaminhar as demandas da/o trabalhadora/o bancária/o adoecido. Precisamos disputar a narrativa com os banqueiros, com esse sistema financeiro poderoso, que sem nenhum pudor afirma que o adoecimento é multifatorial, e não advém das cobranças por metas abusivas, o trabalho intermitente, contatos via whats dia e noite, com a renda variável e as ameaças ao seu emprego. Para as mulheres, o machismo, o racismo e o assédio sexual, além das demissões no retorno a licença maternidade”, sintetizou.
Uma bancária adoecida afastada que acompanhava a transmissão da audiência pública pelo YouTube, enviou seu relato, que foi lido por Jaceia Netz, da Fetrafi-RS:
“Em Porto Alegre nós temos um grupo de bancários e bancárias afastadas que estão assistindo a audiência pública. Uma das bancárias me pediu, por favor, leia: acho importante falar que não perdemos somente a saúde física e mental. Há um projeto para afastamento permanente, deixam de pagar gratificações e por fim cancelam nossos limites, sendo que o próprio banco não pagou verbas salariais. Muitos estão passando por isso e não têm noção do direito lesado. Nos tiram a carteira (de clientes) no retorno da licença saúde, sofremos preconceito na própria família, não nos apoiam em nada na tentativa de nos recuperarmos. Estarmos aqui é um momento de resistência e os bancários e bancárias precisam de todos nós”.
A bancária adoecida Mari Cristina Arruda compartilhou seu testemunho:
“Venho para compartilhar meu testemunho, prova viva de tudo que foi falado hoje. Depois de 24 anos na carreira, somos o motor dessa máquina, mas quando adoecemos somos descartados, tratados como peças substituíveis, números que não podem falhar. Isso não é justo, não é normal. Minha história pessoal não é única, é sistema, não quero favor, exijo respeito, dignidade e justiça. Quero acreditar que minha voz seja ouvida de verdade. Que as instituições bancárias reconheçam sua responsabilidade. Adoecem seus trabalhadores para enriquecer seus acionistas”, e encerrou dizendo que sofre de adoecimento incluindo depressão, síndrome de burnout, e uma síndrome generalizada.
A diretora da Secretaria de Saúde do Sindicato dos Bancários e Financiários de Curitiba e região, Ana Fideli, deu um depoimento sobre as dificuldades da ação sindical diretamente com pessoas adoecidas pelo trabalho na categoria, mesmo que amparadas pela legislação e tendo que corresponder às burocracias para ter acesso ao afastamento, ao tratamento.
“A gente sabe que isso (os dados sobre saúde mental na categoria) é subnotificado. Para agravar a situação, quando o trabalhador adoece, os bancos dificultam o tratamento, mudam o local de trabalho, os adoecidos perdem a carteira de clientes, os bancos descomissionam. É pior quando precisam da previdência, são constrangidos na solicitação do afastamento. Mesmo quando os adoecidos apresentam laudos, as instituições financeiras recusam a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) emitida pelo Sindicato”, relata e continua: “demora nas análises e solicitações do atestmed. Perícias sem identificação do nome de perito. Inexistência de programa de reabilitação profissional, demora nas perícias médica presenciais. Indeferimento de benefício e enorme prejuízo financeiro. A vigilância não pode ficar restrita à constatação, o foco deve ser na intervenção nos locais de trabalho”, apela.
Ana Fideli entregou à deputada Ana Julia um dossiê formulado pelo Sindicato sobre o adoecimento mental na categoria bancária para contribuir com a formulação de políticas públicas no Estado, que no momento são inexistentes.