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Seminário realizado pela CUT Paraná debate os 60 anos do Golpe Militar

O evento aconteceu em parceria com outras entidades nesta segunda feira, 01

Publicado: 02 Abril, 2024 - 08h17 | Última modificação: 02 Abril, 2024 - 08h21

Escrito por: Ana Carolina Caldas / BdF PR

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No dia em que se completam 60 anos do Golpe Militar no Brasil, 01 de abril, foi realizado o Seminário Estadual “Foi Golpe! 60 anos da Ditadura Militar”, de iniciativa da CUT Paraná em parceria com várias entidades. Contou com a participação de pesquisadores, jornalistas, advogados e ex-presos políticos pela Ditadura Militar no Brasil. O evento aconteceu no auditório da Reitoria do IFPR e contou com transmissão online pelas redes sociais da CUT Paraná.

A primeira mesa do seminário teve como tema central “60 Anos do Golpe Civil, Militar e Empresarial no Brasil” com a participação do jornalista Ivan Seixas, ex-coordenador da Comissão da Verdade de São Paulo, o advogado, preso político e exilado pela ditadura, Vitório Sorotiuk e a historiadora Carla Luciana Silva.

Juventude protagonista


Vitório Sorotiuk / Gibran Mendes

Vitório Sorotiuk que foi condenado a seis anos de prisão e ficou três anos preso e depois se tornou exilado político, relembrou sua participação na resistência durante os anos do Golpe Militar e reiterou a importância da participação corajosa dos estudantes. “Nós, estudantes na época, pagamos um alto preço naquela época, porque Curitiba era uma cidade com 400 mil habitantes, 10% da população, 40 mil eram estudantes de fora, que não tinham pai e mãe morando aqui com a gente. Vivíamos em pensões, repúblicas e em casas de estudantes. E, sendo assim, tínhamos que ficar juntos e isso nos unia. Por isso, também a nossa força na resistência. Entre as lutas feitas destaco a defesa da Reforma Universitária e a manutenção do ensino gratuito. Inclusive conseguimos barrar aqui no Paraná, em 14 de maio de 1968, a tentativa de introdução de ensino pago,” cita.

Destacou também as causas que levaram a deposição de João Goulart da Presidência da República pelos militares. “As grandes questões que estavam postas era de um país que tinha saído de uma ditadura do período do Estado Novo, de 45 até 64, e depois o Brasil sofreu um período de ebulição, de renovação, surgimento do cinema novo, da nova experimentação da intelectualidade brasileira, do CPC da UNE, entre outras iniciativas. E junto a isto o governo queria promulgar as reformas que atendiam a população como questão do acesso à terra, a Reforma Agrária, entre outras” relembra Sorotiuk.

“Ditadura de classes”


Jornalista Ivan Seixas, ex-coordenador da Comissão da Verdade de São Paulo. / Gibran Mendes

Para o jornalista Ivan Seixas justamente por estas ações do governo João Goulart e a resistência da classe trabalhadora é que se pode chamar este momento de “ditadura de classe.”

“O Golpe Militar de 64 nasceu muito tempo antes, desde o momento em que foi criada a Escola Superior de Guerra, que começaram a tramar o assalto ao poder, inserindo ainda o contexto da Guerra Fria, a tentativa de tirar o Getúlio Vargas do poder, que tinha se afastado das políticas mais à direita e tinha optado por se aliar à classe trabalhadora. E, o golpe de 64 era consequência de dois projetos, um que atendia a classe trabalhadora e outro que atendia a elite, com os militares no poder. Por isso, era a ditadura de classe,” diz.

Reparação histórica

 


Historiadora Carla Luciana Silva. / Gibran Mendes

Já a historiadora e pesquisadora Carla Luciana Silva trouxe análises referentes à sua pesquisa que apura a responsabilidade de Itaipu Binacional na violação aos direitos humanos durante a ditadura empresarial-militar brasileira. A companhia foi criada com o Tratado de Itaipu (1973), assinado entre a ditadura brasileira e a paraguaia para construção e administração de usina hidrelétrica no rio Paraná.

“Há vários testemunhos e documentos que atestam o monitoramento, a vigilância, o controle e a repressão sobre os trabalhadores que construíram e atuavam na administração da usina, além de práticas semelhantes sobre os grupos afetados pelo projeto, como camponeses, populações indígenas, posseiros e trabalhadores rurais que perderam a sua terra com a formação do lago artificial”, relata.

Carla citou ainda importância de iniciativas que vem pedindo por reparação histórica aos trabalhadores. “Não estou falando especificamente do caso da Itaipu, foram várias empresas e, por isso, é importante reforçar iniciativas pela reparação, para que sejam apurados esses casos,” defende.

Recentemente a Itaipu Binacional reintegrou ao quadro de empregados da empresa, a tradutora e secretária bilíngue Sonia Lúcia Castanheira demitida em fevereiro de 1977, “sob suspeita de atividades subversivas”, por ordens do governo brasileiro da época, durante a ditadura militar. Em 2012, ela teve acesso ao relatório completo e entrou com uma ação trabalhista na 1ª Vara do Trabalho de Foz do Iguaçu, buscando o reconhecimento de seu vínculo empregatício.

Democracia Sempre. Golpe Nunca Mais!

 


“Democracia Sempre. Golpe Nunca mais!” / Gibran Mendes

Fazendo a relação entre o Golpe de 64 e a recente tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, uma semana depois da posse de Lula como presidente, na segunda parte do Seminário, os debatedores trouxeram reflexões sobre a importância da memória e da contínua resistência da democracia.

Na segunda mesa, intitulada “Democracia Sempre. Golpe Nunca mais!” participaram o historiador e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luiz Fernando Lopes Pereira, a advogada, ex-vice-prefeita de Curitiba e presidenta do Instituto Declatra, Mirian Gonçalves e o advogado e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Paraná, Anderson Rodrigues Ferreira.

A memória como resistência

O historiador Luiz Fernando Lopes Pereira destacou em sua fala sobre a importância da memória como resistência. “A luta discursiva sobre a memória e sobre o passado nunca esteve tão ativa. Há 20 anos, falar no golpe parecia que tinha acontecido no século passado, de tão distante que estava. Lamentavelmente principalmente pelos últimos episódios que vivemos nesse país, a discussão a respeito do golpe virou algo absolutamente atual. Ou seja, reatualizou de novo essa questão,” disse.

O historiador repudiou a opção do presidente Lula em cancelar atos de memória sobre o Golpe e felicitou eventos como o da CUT e a iniciativa da Universidade Federal do Paraná que nesta segunda feira, 01,  em reunião do Conselho Universitário aprovou a cassação dos títulos “Honoris Causa” concedidos pela instituição aos presidentes da república militar, Humberto Castelo Branco, Artur Costa e Silva e Ernesto Geisel.

 “Então eu queria ressaltar e destacar essa questão do papel da memória. E de novo chamar a atenção, por exemplo, para a importância deste Seminário aqui e para o que a Universidade Federal está fazendo hoje com essa cassação dos títulos honoris causa dos ditadores. Um deles, inclusive, o último, que foi o Geisel, teve a concessão do título na Federal em 76. Mas, a homenagem foi feita apenas em 81. Gente, é muito tarde pra alguém ficar puxando o saco ainda dos militares,” finalizou.

Além de também defender a importância da memória para se entender o passado, o advogado e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Paraná, Anderson Rodrigues Ferreira, citou episódios históricos recentes de  como  a democracia pode ser destruída.

“Em minha fala aqui resgato o livro “Como as democracias morrem”, que trata exatamente sobre os golpes militares que aconteceram, mas também fala que a democracia era corroída por dentro, desmantelando as instituições democráticas. Líderes autoritários construíram exatamente esse pensar, de enfraquecer as instituições, minando exatamente o judiciário, falando que ele tem um ativismo judiciário. Temos que entender que muitos desses líderes autoritários utilizam a própria Constituição como ferramenta contra a democracia, tentando desmantelar por dentro a nossa sociedade. Por isso, é importante sempre falar do passado porque líderes autoritários no passado, e não tão passados, como na Alemanha nazista de Hitler, e na tentativa do golpe perpetrado aqui no Brasil em 2022, acabam a utilizar a democracia como ferramenta contra a democracia,” disse.

Museu da Democracia como resistência

Sobre como fazer a democracia resistir, a advogada Miriam Gonçalves apresentou o projeto para a construção do Museu da Democracia em Curitiba e reiterou que iniciativas como a do Museu fazem parte da formação das futuras gerações que é mais importante para a democracia. “Não é fazer doutrinação, a criança não vai sair dali balançando uma bandeirinha vermelha, quem dera, mas não é essa ideia. A ideia é realmente fazer aquilo que a gente chama de conquista para a democracia, e eu acho que conhecimento é uma coisa que ajuda. Então tem que conhecer, eu acho que você conhece o que é a democracia e entende as consequências de não tê-la. Isso chama, conquista realmente para a democracia,” disse.

O presidente da CUT Paraná, Marcio Kieller, ao agradecer a participação de todos, disse que é imprescindível lembrar o golpe de 64 para que nunca mais aconteça, para que não se repita. “Estivemos muito próximos de um novo estado de exceção e vamos analisar aquele período obscuro, a lei da anistia, a falta que faz para o Brasil acertar as contas com seu passado como fizeram nossos vizinhos da América do Sul e também analisar a correlação entre 1º de abril de 1964 e o 8 de janeiro de 2023”.

Marcio Kieller, presidente da CUT Paraná

 

O Seminário contou com o apoio da Universidade Federal do Paraná, Instituto Declatra, Instituto Federal do Paraná, Instituto Intercâmbio, Estudos e Pesquisas, Instituto Edésio Passos, Sindiedutec e Geração 68.